segunda-feira, maio 22, 2006

Êxito da Conferência nos Capuchos

A conferêncista
Dra. Mafalda Santos
fez uma excelente exposição

sobre a Mutilação Genital Feminina
Mutilação Genital Feminina – problemática no século XXI
(apontamentos da conferência)
Apesar da informação disponível quer através de fontes como livros ou mesmo através da Internet, muitos são aqueles que ainda desconhecem o que é a Mutilação Genital Feminina (MGF) e toda a problemática que a prática deste ritual implica para aquelas mulheres que a ela se sujeitam.

Definição. A Organização Mundial de Saúde define como MGF “todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos ou que provoquem lesões nos mesmos, tendo por base razões culturais ou fins não terapêuticos.”
[1]
Estatísticas recentes da Unicef apontam que a MGF é praticada em 28 países do Continente Africano e na Península Arábica, Indonésia, Malásia e Índia e está estimado em cerca de 130 milhões de mulheres e crianças que foram sujeitas à MGF. A este número, já de si imenso, acrescem 2 milhões que incorrem no risco de ser circuncisadas[2].

Tipologias. Com o decorrer e o constatar das diferentes práticas dos diferentes países, tornou-se necessário tipificar a prática, o que deu origem a uma tabela classificativa dividida em quatro tipologias.
No tipo I encontramos a clitoridectomia que consiste na remoção da pele que cobre o clítoris e a remoção total ou parcial do mesmo.
O tipo II define a excisão, ou seja, a remoção total do clítoris e a remoção total ou parcial do lábio menor.
O tipo III, o mais grave e com maiores complicações quer a curto quer a longo prazo, define a infibulação. Implica a remoção do clítoris, lábios menores e superfície interior dos lábios maiores. Na infibulação os lábios maiores são posteriormente unidos ficando apenas um pequeno orifício cuja função é permitir a saída de urina e do fluxo menstrual.
O tipo IV inclui práticas como piercings, alongamento do clítoris, cauterização por queimadura do clítoris ou tecidos circundantes e a inserção de substâncias corrosivas ou ervas na vagina.

Um ritual de passagem. A MGF é feita, dependendo dos países e da comunidade em que a criança está inserida, a meninas entre os 4 e os 10 anos, mas pode acontecer, nalgumas culturas, que a mesma seja feita aos recém-nascidos
[3].
Esta prática ocorre pois é vista como um rito de passagem das crianças para a idade adulta e será perpetuado enquanto estiverem enraizadas crenças como a de que aumenta as probabilidades de matrimónio (porque há uma garantia de que a mulher é virgem quando chega ao casamento), a de que protege a honra da família garantindo a legitimidade dos descendentes e a de que reduz o desejo sexual tornando a mulher menos promíscua. Estabelece também, de acordo com as crenças destes povos, uma relação directa com a coesão social, com o aumento do prazer do homem, a maior facilidade na altura do parto e, também, por razões estéticas e higiénicas pois, para estes, os órgãos genitais da mulher são considerados sujos e inestéticos.

Razões. Há razões envolvidas na prática da MGF, são elas a religião seja ela praticada entre Islâmicos, Católicos, Protestantes, Animistas e não só, a higiene/saúde porque a vagina é suja e tem um cheiro desagradável e, por isso, deverá estar protegida porque se o ar entrar pode provocar infecções.
Outras razões são as psico-sexuais que têm a ver com o clítoris que é considerado um órgão agressivo e as razões sociológicas em que há uma garantia de que se as raparigas são infibuladas estarão virgens quando se casarem.

Matronas. Falta referir que, para que estas raparigas sejam mutiladas, tem de haver alguém que se encarregue de toda a “operação”. Para este ritual são chamadas as matronas, mulheres idosas da comunidade que têm um elevado estatuto social, e que vêem na perpetuação da MGF a sua fonte de rendimento. Estas mulheres utilizam objectos cortantes como por exemplo, lâminas ou pedaços de vidro, para excisar as raparigas que se submetem a uma intervenção para a qual não há qualquer preparação sanitária nem qualquer tipo de anestesia.

As consequências. No imediato as consequências prendem-se com a hemorragia, o choque, tétano, HIV/AIDS, septicemia, lesões e infecções na vagina, recto e bexiga, retenção urinária, só para mencionar alguns, lembrando que em última análise provoca a morte.
Obviamente que este tipo de prática também tem repercussões a médio e a longo prazos. A médio prazo a MGF provoca anemia severa, infecções pélvicas, dismenorreia, dores durante o coito, complicações durante o coito (devido às insistentes rupturas de pele - a defibulação) e durante a gravidez e o parto.
A longo prazo podemos acrescentar a esta já extensa lista a infertilidade, Hepatite B, Sida, formação de quistos e pedras na vagina, incontinência urinária e/ou anal, disfunções sexuais (pela ausência de prazer) e as complicações psicológicas como a ansiedade e a melancolia.

Medicalização. Recentemente ouve-se falar da medicalização da prática da MGF. Os profissionais de saúde começam a ocupar o espaço das matronas devido a crenças dos pais que julgam assim proporcionar melhores condições de assepsia e higiene às suas filhas.
Apesar da OMS condenar veemente a atitude/postura destes profissionais de saúde a medicalização continua a ocorrer e os profissionais defendem-se alegando que a mutilação será sempre feita, independentemente das condições em que é realizada, por isso estes “oferecem” as condições básicas.
Segundo, também, a OMS a prática da MGF medicalizada surge em consequência do particular ênfase que as primeiras campanhas para erradicar a mutilação dava às implicações para a saúde, o que terá dado a ideia errada de que se a mesma for feita em condições médicas óptimas acarretará menos problemas para a vida destas raparigas.

Um caso de sucesso. Waris Dirie, conhecida modelo da Somália, foi vítima da MGF aos 5 anos, tendo fugido aos 13 para Londres, aos 18 torna-se modelo e é em 1997 que publica o seu primeiro livro “Desert Flower” onde conta a sua história pessoal. Ainda em 1997 é nomeada Embaixatriz Especial para a Eliminação da MGF, pelas Nações Unidas. Hoje em dia é responsável pela fundação que tem o seu nome através da qual procura combater e erradicar a prática da MGF, fazendo um trabalho junto dos governos ocidentais através de manifestos.

Estratégias da UNICEF. A UNICEF propõe-se desde há bastante tempo contrariar este tipo de ritual de transição substituindo-o por outros que não incluam qualquer tipo de danos físicos. A estratégia passa por acompanhar holisticamente as comunidades e fomentar campanhas de consciencialização das mesmas. Torna-se necessário intervir na educação das mulheres e das crianças por forma a imprimir nestas um acréscimo de poder na medida em que o poder está concentrado nos homens, quer no que ao dinheiro diz respeito, quer nas decisões referentes à saúde das próprias mulheres. Acelerar a mudança social e criar as condições necessárias para que as mulheres se consciencializem da extensão dos seus direitos é um passo urgente e necessário.
[4]
[1] OMS – Abril 1997
[2] Female Genital Mutilation/Cutting – a statistical exploration; Unicef; 2005
[3] Yasmina Gonçalves; Mutilação Genital Feminina; 2004
[4]
Female Genital Mutilation/Cuttung – a statistical exploration; Unicef; 2005

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