terça-feira, abril 11, 2006



Depressão no Idoso & Processo de Envelhecimento

QUANDO O ENTARDECER CHEGA...

Inês Chaves[1]


O envelhecimento da população é um fenómeno observado em todos os países. Com os progressos médicos e a melhoria das condições de vida, desde a Segunda Guerra Mundial, o número de pessoas com mais de sessenta anos aumenta de ano para ano.
Em muitas culturas e civilizações, principalmente as orientais, o idoso é visto com respeito e veneração, representando uma fonte de experiência, do saber acumulado ao longo dos anos, da prudência e da reflexão. Enquanto noutras o idoso representa o “velho”, o “ultrapassado”e a “falência múltipla do potencial do ser humano”.
A velhice é um processo pessoal, natural, indiscutível e inevitável, para o ser humano. Nesta fase ocorrem mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais, económicas e politicas que integram o quotidiano das pessoas.
O envelhecimento pode assim, ser apreendido a diversos níveis. A nível biológico, porque os estigmas da velhice traduzem-se com a idade por um aumento das doenças, por modificações do aspecto – a forma de se deslocar, aparecimento de manchas e rugas na pele. A nível social, com a mudança de estatuto com a passagem à reforma. A nível psicológico, com as modificações das actividades intelectuais e motivações. A nível funcional, necessidade de apoio para desempenhar as actividades básicas da vida diária.
O artigo 72.º da Constituição da República, referente à terceira idade, consagra que:
1. “As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social”.
2. “A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade”.
Cícero (106-43 a.C.), filósofo romano realizou um ensaio sobre o evelhecimento bem sucedido. O seu trabalho intitula-se “De senectute” (44 a.C.). A velhice é apresentada como um fenómeno variável de indivíduo para indivíduo e, sobretudo como um período que pode oferecer numerosas oportunidades de crescimento pessoal.
A compreensão dos processos de envelhecimento transformam a velhice num momento feliz ou num verdadeiro naufrágio. O desafio do século XXI não será dar tempo ao tempo, mas dar qualidade ao tempo.

A Depressão

A depressão é muito mais do que um sentimento ou uma emoção. Tem potencialidade para ser uma doença mental grave e incapacitante, podendo interferir em todos os aspectos do dia-a-dia de uma pessoa.
Significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Uma sensação de depressão pode ser a reacção a coisas que ocorrem no dia-a-dia. Em algumas pessoas a sensação de depressão pode ser um sintoma/um indício de doença. Manifestam mudanças cognitvas e comportamentais características. Tornam-se apáticas, desmotivadas e sensíveis unicamente aos factos negativos da vida, o que lhes cria um feed-back de reforço do seu estado, tendo frequentemente ideias suicidas, por vezes com passagem ao acto.
O estigma associado às doenças psíquicas é forte e, o preconceito contra a doença psiquiátrica pode ser responsável por alguma renitência que existe em relação ao diagnóstico da depressão. Existe a crença, muitas vezes tácita mas infelizmente generalizada, de que a depressão é auto-induzida.
Os factores cultuais também desempenham o seu papel tanto na percepção da depressão pelo doente, como no aparecimento e no tipo de sintomas. Nas culturas do Médio Oriente, asiáticas e algumas africanas, o conceito de depressão ainda está mal formulado. É, contudo, aparente que a perturbação existe nestas culturas, mas há um maior ênfase nos sintomas somáticos.

A perturbação torna-se major quando o estado perdura durante diversas semanas. A Perturbação Depressiva Major pode ter início em qualquer idade, com uma idade média de início no meio da década dos vinte anos. A característica essencial da Perturbação é a evolução clínica que é caracterizada por um ou mais Episódios Depressivos Major. Os episódios seguem-se frequentemente a um agente stressor psicossocial intenso, tal como a morte de um familiar ou um divórcio. Um episódio é considerado como tendo terminado quando deixam de ser preenchidos os critério completos para Episódio Depressivo Major pelo menos durante dois meses consecutivos.

A sintomatologia surge a nível emocional, físico e cognitivo. Os sintomas emocionais causam ansiedade, preocupação, nervosismo e hipervigilância. Palavras e frases como por exemplo “triste”, “angustiado”, “péssimo”, “na fossa”, “em baixo” são utilizadas para descrever os sintomas emocionais.
Um humor depressivo e a anedonia são considerados os sintomas primários da depressão major. Predomina o desinteresse pelas actividades e a perda de desejo sexual.
Os sintomas físicos têm origem no aumento de actividade do sistema nervoso autónomo, que controla as actividades involuntárias de orgãos e de outras partes do corpo humano.

Na doença depressiva grave poderão ocorrer sintomas físicos como por exemplo a redução do apetite e a perda de peso; alterações no sono com a dificuldade em adormecer/manter-se adormecido; fadiga, manifestando-se como uma sensação de redução de energia, cansaço físico que ocorre após uma actividade normal que, habitualmente não causaria qualquer fadiga.

As alterações do pensamento são um sintoma que varia de ligeiro a grave. Pode ocorrer uma alteração ne eficiência do pensamento (ex. o doente pode perder a capacidade de concentração, ou não conseguir lembrar-se de algo que acabou de acontecer). Outra alteração que pode ocorrer é a desvalorização ou sentimentos de culpa e as ideias ou gestos suicidas repetidos.

Relativamente à duração dos sintomas, segundo as escalas de diagnóstico internacionalmente aceites, é necessária uma duração mínima de duas semanas antes que se possa avançar para um diagnóstico de depressão.

A Depressão no idoso

No idoso a depressão é um fenómeno importante. Considerada como a patologia mais frequente no idoso é, normalmente, apresentada de maneira atípica ou indirecta, ou seja, encoberta por múltiplas e variadas queixas somáticas e associadas a quadros de ansiedade.

A velhice pode ser um período de desabrochar, mas também pode ser acompanhada por perturbações psicopatológicas graves. Sendo visível um forte aumento de heterogeneidade, deve-se, por isso, falar em velhices e não em velhice. Com o envelhecimento podem verificar-se modificações nas reacções emocionais; perdas e separações, solidão, isolamento e marginalização social.
Um dos mais adequados modelos de abordagem da depressão no idoso é o modelo bio-psico-social, o qual congrega os aspectos sociais, psicológicos e orgânicos para produzir e manter o quadro depressivo.

Com o avanço da idade o ser humano pode desenvolver o sentimento de que se inicia a última etapa da sua vida, desencadeando um estado depressivo com a percepção do envelhecimento, valorizando negativamente, se estiverem presentes, a sensação de inutilidade, insuficiência, ansiedade e irritabilidade.

Do ponto de vista vivencial, o idoso está numa situação de perdas continuadas; a diminuição sócio-familiar, a perda do status ocupacional e económico, o declínio físico continuado, a maior frequência de doenças físicas e a incapacidade pragmática crescente, bem como o aparecimento de fenómenos degenerativos ou doenças físicas incapacitantes, compõem o elenco de perdas suficientes para desenvolver um quadro de sintomatologia depressiva.

Outro aspecto a enfatizar é a depressão no idoso institucionalizado. Encontra-se separado do ambiente familiar e habitacional, sensação de abandono, inutilidade e dependência, isolado da actualidade cultural. A baixa qualidade de vida (falta de intimidade, insegurança, tristeza silênciosa, etc.) oferecida nessas instituições, o insuficiente grau de bem-estar pessoal, a reduzida auto-estima, contribui para o agravamento do estado depressivo.

É de salientar alguns aspectos/modificações provocadas pelo envelhecimento desencadeadores de quadros depressivos: Falta de motivação pela vida; afastamento dos filhos e parentes; progressiva limitação física por causa do envelhecimento; sensação progressiva de impotência; perda de controlo sobre os seus; sensação de inutilidade; sentir-se um peso para os filhos e família; perda da capacidade económica e consequente dependência financeira; perda do cônjuge; questionamentos relativos à morte; modificações cerebrais.

Vários autores propõem cinco critérios para diagnosticar a depressão no idoso: Vários sintomas de depressão pelo menos por duas ou mais semanas; sentimento de desânimo; presença de pelo menos quatro dos sintomas seguintes – aumento ou diminuição do apetite, aumento ou diminuição do sono, diminuição da energia, sensação contínua de fadiga ou cansaço, perda de interesse, perda de prazer nas relações sociais, perda de prazer nas actividades quotidianas, sentimentos de reprovação ou culpa de si mesmo, lentificação ou agitação psicomotora, queixas ou evidência de diminuição na capacidade de concentração; alterações no funcionamento quotidiano da pessoa – interação social, nível de actividade profissional, como causa ou consequência da depressão.

Na avaliação de um estado depressivo na pessoa idosa é importante fazer referência ao seu contexto de vida e às respostas do seu ambiente. Um estado depressivo consecutivo a uma viúvez, acontecimento cuja frequência aumenta com a idade, num idoso, não é comparável a um estado depressivo não associado com factos de vida identificáveis.

Utilizam-se auto-questionários da depressão ou escalas de bem-estar subjectivo que o idoso preeenche. O bem-estar subjectivo é o nivel de prazer que a pessoa conservou.
Os factores determinantes do bem-estar subjectivo são a congruência sentida pelo indivíduo entre os projectos que realizou e os projectos que desejou realizar. Quanto mais fraca for a congruência, mais forte é o estado depressivo. O entusiasmo, o desejo de viver, sendo este muito baixo no estado depressivo. O humor, isto é, o sentimento de se manter adaptado à sociedade, ou, pelo contrário, rejeitá-la e sentir-se rejeitado por ela. O estado depressivo é acompanhado por um sentimento de solidão e de rejeição.

Em pessoas idosas é frequentemente difícil determinar se os sintomas cognitivos (por ex. desorientação, apatia, dificuldades de concentração, perda de memória) são melhor explicados pela demência ou por um Episódio Depressivo Major numa Perturbação Depressiva Major. Uma avaliação médica adequada, da sequência temporal dos sintomas depressivos e cognitivos, evolução da doença e resposta ao tratamento ajudam a efectuar esta determinação. O estado pré-mórbido do sujeito pode ajudar a diferenciar uma Perturbação Depressiva Major de uma demência. Na Perturbação Depressiva Major o indivíduo tem um estado pré-mórbido relativamente normal e um declínio cognitivo abrupto associado com a depressão e, na demência existe, habitualmente, uma história pré-mórbida de declínio da função cognitiva.
Na clínica também se utiliza o termo pseudo-demência depressiva. Um estado depressivo pode ser confundido com um quadro inicial de demência, tendo-se em conta o facto da depressão frequentemente ter caractrísticas atípicas nos idosos e, também na intenção de se enfatizar algum tipo de comprometimento cognitivo associado à depressão.

Para além da Perturbação Depressiva Major no idoso, podemos também falar noutras depressões que podem surgir e são características da terceira idade. Depressão reactiva (reactiva a alguma situação vivencial traumática/perda – doença, reforma, viúvez, luto, etc), o idoso passa por uma condição existencial problemática e, muitas vezes sofrível. Depressão secundária (secundária a alguma condição orgânica), o idoso pode desenvolver estados patológicos e degenerativos que faciltam o desenvolvimento da depressão. Depressão endógena, relacionada com a personalidade, surge sem qualquer razão aparente, ou seja as pessoas envelhecem e continuam depressivas.
O suicidio nos idosos está muitas vezes associado a um estado depressivo, consecutivo à morte do cônjuge. Surge na maioria dos casos como um acto de vontade de acabar com a vida (Osgood, 1985).

O tratamento da depressão no idoso passa pela farmacologia e psicoterapia. Sabendo-se que a depressão está ligada, de um ponto de vista neurofisiológico, a uma anomalia no funcionamento de dois sistemas neurotransmissores, a serotonina e a noradrenalina, utilizam-se dois tipos de medicamentos, os antidepressivos e os inibidores. A psicoterapia de tratamento – terapias cognitivas e comportamentais (Beck e col., 1979; André, 1995), o terapeuta, na sua interacção activa com o paciente, ajuda-o a construir novas representações e a reencontrar um nível funcional de actividade, de igual modo, actua na sua relação com o mundo; terapia interpessoal, tendo como objectivo trabalhar as relações disfuncionais e melhorá-las. Tem três fases – recolha de dados, avaliação psiquiátrica, sendo dada particular atenção a acontecimentos recentes que tenham afectado as relações; análise e avaliação de relacionamentos significativos em quatro áreas principais (perda, conflitos, mudança de “papel”, dificuldade em conseguir ou manter relações; consolidação dos progressos, que resume os avanços conseguidos nas sessões anteriores.

Podemos afirmar que a presença de certos traços de envelhecimento, as suas limitações e seus efeitos nas vidas das pessoas, bem como a marginalização social geram problemas psicológicos, afectando o equilíbrio interno dos indivíduos.
Ressalta-se a importância de dar qualidade ao tempo. Este projecto repousa numa melhor compreensão do processo de envelhecimento nas pessoas que mostram êxito no seu envelhecimento – velhice bem sucedida, onde estão reunidas três grandes categorias de condições. A primeira é a reduzida probabilidade de doenças, em especial as que causam perdas de autonomia. A segunda consiste na manutenção de um elevado nível funcional nos planos cognitivo e físico. A terceira é a conservação de empenho social e bem estar subjectivo.

Nesta perspectiva torna-se urgente que as instituições promotoras de saúde, Misericórdias e Segurança Social se organizem no sentido, de responder adequadamente às necessidades da população idosa.


Ser-se velho era ser-se sábio; era ter-se a mais valia do tempo, que fazia do velho o conselheiro, o amigo...a memória das gerações (Costa,1999).

BIBLIOGRAFIA

- MONTGOMERY, Stuart A., “Ansiedade e Depressao”, Climepsi editores, 2ª edição, Lisboa, Maio 1995.
- JOFFE, Russel T; Levitt, Anthony J.; ”Vencer a Depressão” Blackwell Science, 1998.
- MONTGOMERY, Stuart A; Boer, Johan A.; Perspectives in Psychiatry, Vol. 7, “SSRIs in Depression and Anxiety”, John & Sons, 1998.
- ABREU, J. L. Pio; “ Como Tornar-se Doente Mental”, Quarteto Editora, 2001.
- VIEIRA, Fernando, “(Des)Dramatizar na Doença Mental” Psicoterapia e Psicodrama, Edições Sílabo, 1ª edição, Lisboa, Fevereiro 1999.
- FONTAINE, Roger, “Psicologia do envelhecimento”, Climepsi Editores, 1ª edição, Lisboa, Setembro 2000.
- American Psychiatric Association – DSM-IV, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, Climepsi Editores, Lisboa 1996.
- LOPES, Fabiana A.M.; Oliveira, Flávia A.; Artigo -“Aspectos Epidemiológicos de Idosos Assistidos pelo Programa de Saúde da Família (PSF), Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba, Minas Geris, Brasil, Março 2004
- PORTUGAL, Direcção Geral da Saúde – Estudo da qualidade de vida do idoso: aplicação de um instrumento de avaliação: relatório, Lisboa: Direcção Geral da Saúde, 1995.
- PORTUGAL, Ministério da Saúde – Os mais velhos: relatório de actividades, Lisboa:Ministério da Saúde, 1998.
- MARTINS, Rosa M.L., Artigo – “Envelhecimento e saúde: um problema social emergente”
- Constituição da República Portuguesa, Europa Editora, p.39.- Documentação fornecida durante o Módulo – “Tratamento Sintomático I em Cuidados Paliativos” .

[1] Inês Chaves, Assistente Social do Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) – Hospital Santo António dos Capuchos – Serviços de Neurocirurgia e Neurologia, Licenciada em Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa 1995-2000, Mestranda em Cuidados Paliativos 2ª Edição – Faculdade de Medicina de Lisboa (Fase de elaboração da Dissertação).

Sem comentários: