segunda-feira, maio 22, 2006

Intervenção da Dra Cristina Varón de Carvajal

A análise deste problema de género, tem duas perspectivas antagónicas:
1.- Os defensores desta prática, com os argumentos de ser uma herança cultural, centrada essencialmente em definições sociais de feminilidade e em posturas relativas à sexualidade feminina, por forma de garantir a castidade e a fidelidade.
Essencialmente é um acto aprovado pelos povos como parte da identidade cultural; o que tem um significado profundo, sentido de lealdade para com afamília e crença num sistema de valores (rito de passagem da adolescença à fase adulta).
2.- Por outro lado temos os contestatários da MGF, que a consideram como um ritual nefasto para integridade da pessoa, que viola os direitos da criança e os direitos humanos, trazendo consequências graves, quer físicas, quer psicológicas. A Dra. Débora Diniz, no seu artigo "A Cirurgia da Mutilação Genital Feminina", faz referência à existência desta prática, em 28 países do mundo. Apesar de ser uma prática ancestral proibida desde 1966, continua a ser evidenciada. O respeito pelos valores e tradições culturais não significa que sejam intocáveis, inquestionáveis, levando-nos desta maneira a reflectir sobre a exigência universal da Tolerância. Então surge a questão: Qual deve ser o limite do tolerável? E o mais importante: Quem o decide? Terá isto a ver com os direitos humanos universais? A Emigração dos povos praticantes da MGF está a originar alterações sociais que nos faz repensar no contexto do Trabalho Social, uma nova postura de intervenção que implique responsabilidade, empenhamento e compromisso na integração social destes grupos. Será que a prática continuada da MGF nos países acolhedores é um sintoma dos problemas de "Integração"? Será que os problemas sociais agravados pela globalização, tem deixado de lado a importância da multiculturalidade no enriquecimento da humanidade? Implicará Integração a capacidade crítica e análise da própria cultura, a aceitação de novos valores, de regras sociais? De acordo com o trabalho da Dra. Mafalda dos Santos, "Portugal é considerado um pais de risco porque acolhe famílias provenientes de países que praticam a MGF e a falta de preparação da sociedade é uma alerta." Esta preocupação, tem que conduzir à realização de programas de prevenção e intervenção com estas comunidades, a nível de educação, acompanhamento e estratégias de tratamento específico que impliquem um trabalho multidisciplinar.
Por último gostaria de referir o projecto elaborado pela Associação para o Planeamento da Família e a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, onde há uma proposta de intervenção e informação a partir de:
1.- Questionamentos dos Tabus, da Sexualidade masculina e feminina.
2.- Programas de intervenção após da avaliação do risco e das comunidades migrantes, com vista à identificação das mulheres e raparigas que tenham sofrido atentados contra a identidade física e psicológica. As estratégias de acção devem ir de encontro à fomentação da igualdade e à autonomia de géneros, evitando discursos estigmatizantes a determinados grupos étnicos. Se conhecemos as razões que as próprias populações têm para a prática da MG, é possível fazer a desconstrucção das mesmas enfatizando as consequências visíveis que esta prática implica, como esterilidade, infecções, hemorragias,etc.
A outra estratégia deverá ter como objectivo a realização de um trabalho comunitário, no qual os homens possam participar, sendo informados e tomando consciência da responsabilidade, face aos problemas que afectam e incidem directamente na saúde das mulheres e raparigas, assim como a sua repercussão no bem-estar da própria comunidade e consequência sócio-económica e psicológica para o grupo familiar.





Dr Jorge Cabral,
Dr Alfredo Henriquez e
Dra Cristina Carvajal
O Dr Jorge Cabral, aquando do seu comentário sobre a temática em discussão na Conferência, afirmou que a lei existente em Portugal deverá ser alterada.


O meu louvor aos Promotores desta iniciativa.
Que eu tenha conhecimento é a primeira vez que em Portugal de uma forma pública e organizada, se pode debater tão complexo quanto dramático problema.
Pedem-me um comentário, e duvido que o façam só tendo em conta a minha qualidade de jurista. Certamente sabem que estive na Guiné-Bissau, que sou curioso. Que procurei conhecer e aprender, porque também eu adoptei o lema “Humani nihil alienum”, isto é, nada do que é humano me pode ser estranho.
Estamos em 2006, e só desde 2002 o assunto mereceu entre nós alguma atenção, mercê dos notáveis artigos de Sofia Branco. E no entanto, como tão bem acentuou na altura o Prof. Luís Graça, durante décadas e décadas os Portugueses conviveram com essa realidade. Médicos, Professores, Padres, Agentes da chamada Acção Psico-Social, artífices da Politica Spinolista da Guiné Melhor, conheceram a prática da Mutilação Genital Feminina.
Uma Guiné Melhor na qual metade das meninas era e continuou a ser violentamente mutilada, com a complacência de todos os representantes do Poder Colonial.
Claro que na Guiné-Colónia vigorava o Código Penal Português, o qual sempre puniu as ofensas corporais, designadamente as que ocasionassem “cortamento, privação, aleijão ou inabilitação de algum membro ou órgão do corpo”, cominando uma pena de prisão de 2 a 8 anos. Obviamente que nunca ninguém foi julgado pela prática da excisão.
Respeito pela cultura, tradições ou costumes do Povo? Ou desprezo? A realidade colonial dividia-nos entre nós e eles, e o “fanado” era festa deles, que não nos incomodava enquanto ocupantes.
Paradoxalmente porém, aplicávamos com rigor o Código Civil quanto ao registo das crianças, todas filhas ilegítimas, dado pai e mãe não serem casados segundo a Lei Portuguesa. Ia-se até mais longe obrigando as crianças fulas a possuírem um nome português, em geral o do Chefe do Posto, facto que eu descobri ao deparar numa aldeia com 32 Augustos (Augusto Idrissa Embaló, Augusto Demba Djaló, Augusto Mamadú Baldé… etc).

A mutilação genital feminina praticava-se no meu tempo e pratica-se hoje na Guiné-bissau e também, embora em reduzido número, em Portugal. Podemos, como a Mafalda fez, elencar as crenças ou razões que lhe são subjacentes, as quais servirão tão somente para mascarar o seu objectivo fundamental – o controlo da sexualidade feminina – um cinto de castidade sem chave e vitalício.
O problema deve pois ser enquadrado nos direitos da Mulher, direito ao Corpo, direito à Sexualidade, direito à Liberdade, direito à Dignidade. Porque o que está verdadeiramente em causa é o estatuto da Mulher. A mulher coisa, a mulher propriedade, a mulher comprada, a mulher serva.
Na guerra e na Guiné estive há muitos anos. Do que lá se passa hoje sobre Mutilação Genital Feminina, só disponho de algumas informações – as tentativas de criar um Fanado alternativo, que cumpra os ritos de iniciação sem mutilar, parece não ter dado o resultado esperado. Quanto às “fanatecas”, as mulheres que fazem profissão da excisão, bastantes entregaram as facas, acreditando que lhes seria atribuída uma pensão para sobreviverem, o que parece não ter acontecido.
Segundo creio a operação está a ocorrer em crianças cada vez mais novas, quase bebés, porque talvez a facilite, ou em virtude de as novas excisadoras não terem a perícia das de antigamente. Não creio que exista uma vontade política determinada em erradicar a mutilação genital feminina, num país em que o equilíbrio étnico é garante de uma sempre difícil estabilidade. Decretar pura e simplesmente a proibição iria sem duvida desagradar aos Islamizados, que constituem o grupo religioso maioritário na Guiné.
Acredito que, quando muito, as preocupações sejam de saúde pública, como se pode depreender do Código Penal da Guiné-Bissau, cujo art. 117º, que tem como epígrafe “Ofensas Privilegiadas”, diz o seguinte: “Quem habilitado para o efeito e devidamente autorizado, efectuar a circuncisão ou excisão sem proceder com cuidados adequados para evitar que se produzam os efeitos previstos no nº 1 do art.115º ou a morte da vitima, e estas sobrevierem, é punido com pena de prisão até 3 anos e de 1 a 5 anos”.
A leitura do preceito é elucidativa – o que se pune é a negligência na operação e não a própria mutilação genital feminina. Estamos no domínio da Medicalização, de que a Mafalda falou. Atenuam-se os riscos. A complexa cerimónia de iniciação transforma-se numa intervenção cirúrgica sem outro objectivo ou razão, senão cumprir o costume.
Aliás, e como sabem, durante o séc. XIX e até aos anos 30 do séc. XX, tanto nos E.U.A. como na Europa, a ablação do clítoris constituiu tratamento da histeria, da ninfomania e do lesbianismo. Terapêutica para bem delas, está bem de se ver…
Há mais de 20 anos, que nas minhas aulas falo da mutilação genital feminina e sempre a propósito da falta de consciência da ilicitude. A punição de alguém por um acto cometido implica a interiorização do ilícito da conduta praticada, que a pessoa sinta que o que fez está errado. A não ser assim, a aplicação da norma penal torna-se absurda e ineficaz. Por isso todo o esforço para banir ou erradicar determinado comportamento deve ser efectuado prioritariamente através de outros meios, de uma Política Social, de educação, de saúde de integração. O Direito Penal, não o esqueçamos, deve constituir uma “ultima ratio”.
Enraizada como crença, mito ou costume, será a Mutilação Genital Feminina um valor cultural a ser preservado? O respeito pela identidade cultural, deve tolher-nos na luta, contra práticas desumanas, atentatória da vida e da liberdade das pessoas?
Cada cultura encerra em si valores e desvalores. Não devemos deixar morrer os valores, mas devemos procurar extinguir os desvalores. De outra forma toleraríamos que as viúvas na Índia fossem enterradas vivas com os falecidos maridos, ou que os pais violassem as filhas obedecendo a um velho costume.

Creio que o impacto dos artigos da Sofia Branco, publicados no Jornal Público em 2002, se deve principalmente à informação de que a Mutilação Genital Feminina, ocorreria em Portugal.
Também pela Europa as preocupações aumentaram com a possibilidade da prática ser cá efectuada, dada a corrente migratória. Julgo porém, que toda a Mutilação Genital Feminina é igualmente grave, devendo ser denunciada e combatida, independentemente do lugar onde seja efectuada. A universalidade dos Direitos Humanos impõe-nos que sintamos toda a sua violação, como violação dos nossos direitos. A mutilação de uma menina no Sudão constitui uma ofensa à minha condição de homem livre, até porque a minha liberdade só pode ser assumida em plenitude, num Mundo de Homens e Mulheres Livres.

Em todos os nossos Códigos Penais, o de 1852, o de 1886, o de 1982 e o de 1995, a mutilação genital constitui o crime de ofensas à integridade física grave previsto e punível no actual art. 144º.
No projecto em Discussão, propõe-se ao artigo um acrescento, na alínea b). Assim onde agora se lê – “Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem”, passará a surgir “de procriação ou de fruição sexual”.
A proposta suscita-me algumas dúvidas. A mutilação já estava incluída quer na alínea a) “privá-lo de um importante órgão ou membro” e até na própria b) “afectar-lhe a possibilidade de utilizar o corpo”. A questão é porém outra. Deve a mutilação feminina, ser incriminada autonomamente, tipificando a conduta?
Se a resposta for positiva então terá de ser enquadrado o novo tipo, nos crimes contra a Liberdade Sexual, definindo com rigor o comportamento. Para tanto, tornar-se-á necessário que os nossos legisladores conheçam o problema.
Infelizmente, a nossa politica criminal parece ditada pelos media. Se amanhã os jornais relatarem um caso de canibalismo, logo surgirá uma proposta de criminalização, como aconteceu com a venda de bebés, que evidentemente já estava integrada no crime de escravidão.

Desculpem toda esta desalinhada exposição. Penso que indiciei o que penso sobre a temática em debate. – Atentado contra as crianças, coisificação da mulher, abominável violação da dignidade, deve ser encarado na óptica dos Direitos Humanos.
Estudado multidisciplinarmente, urge o seu combate no terreno, pelos diversos técnicos que conheçam e lidem com a situação. Técnicos de saúde, interventores sociais e todos os que trabalham com a Imigração, terão um papel fundamental pela persuasão, educação e aconselhamento.
A repressão só por si nada resolverá! Antes pelo contrário, aumentará o secretismo ou determinará as famílias a levarem as crianças à Guiné para sofrerem a Mutilação. Por outro lado, ao actuarmos aqui em Portugal, chamando a atenção para o criminoso da conduta, estaremos a colaborar na luta também lá, pois os imigrantes transmitirão a mensagem.
Vai sendo tempo de terminar. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar, como diz o Poema.
É legítima a nossa indignação. Não chega porem indignar-nos.
Habitamos o mesmo mundo e pertencemos à mesma raça – a Raça Humana.
Não somos nós e os outros, Somos todos Nós!
Lutar contra esta prática, constitui dever de cada um de nós, porque é nossa obrigação contribuir para um Futuro mais livre, fraterno e solidário.

Muito Obrigado.
Jorge Cabral
Apesar dos sérios esforços das organizações nacionais, o impacto deste problema social e humano em Portugal, ainda permanece uma incógnita determinar a grandeza das suas dimensões.

Em Portugal, a Associação para o Planeamento da Família (APF), com o apoio da Comissão para a Igualdade da Mulher, têm vindo a realizar estudos que nos permitem conhecer a MGF e construir políticas de prevenção.
alfredo henríquez
Êxito da Conferência nos Capuchos

A conferêncista
Dra. Mafalda Santos
fez uma excelente exposição

sobre a Mutilação Genital Feminina
Mutilação Genital Feminina – problemática no século XXI
(apontamentos da conferência)
Apesar da informação disponível quer através de fontes como livros ou mesmo através da Internet, muitos são aqueles que ainda desconhecem o que é a Mutilação Genital Feminina (MGF) e toda a problemática que a prática deste ritual implica para aquelas mulheres que a ela se sujeitam.

Definição. A Organização Mundial de Saúde define como MGF “todos os procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos ou que provoquem lesões nos mesmos, tendo por base razões culturais ou fins não terapêuticos.”
[1]
Estatísticas recentes da Unicef apontam que a MGF é praticada em 28 países do Continente Africano e na Península Arábica, Indonésia, Malásia e Índia e está estimado em cerca de 130 milhões de mulheres e crianças que foram sujeitas à MGF. A este número, já de si imenso, acrescem 2 milhões que incorrem no risco de ser circuncisadas[2].

Tipologias. Com o decorrer e o constatar das diferentes práticas dos diferentes países, tornou-se necessário tipificar a prática, o que deu origem a uma tabela classificativa dividida em quatro tipologias.
No tipo I encontramos a clitoridectomia que consiste na remoção da pele que cobre o clítoris e a remoção total ou parcial do mesmo.
O tipo II define a excisão, ou seja, a remoção total do clítoris e a remoção total ou parcial do lábio menor.
O tipo III, o mais grave e com maiores complicações quer a curto quer a longo prazo, define a infibulação. Implica a remoção do clítoris, lábios menores e superfície interior dos lábios maiores. Na infibulação os lábios maiores são posteriormente unidos ficando apenas um pequeno orifício cuja função é permitir a saída de urina e do fluxo menstrual.
O tipo IV inclui práticas como piercings, alongamento do clítoris, cauterização por queimadura do clítoris ou tecidos circundantes e a inserção de substâncias corrosivas ou ervas na vagina.

Um ritual de passagem. A MGF é feita, dependendo dos países e da comunidade em que a criança está inserida, a meninas entre os 4 e os 10 anos, mas pode acontecer, nalgumas culturas, que a mesma seja feita aos recém-nascidos
[3].
Esta prática ocorre pois é vista como um rito de passagem das crianças para a idade adulta e será perpetuado enquanto estiverem enraizadas crenças como a de que aumenta as probabilidades de matrimónio (porque há uma garantia de que a mulher é virgem quando chega ao casamento), a de que protege a honra da família garantindo a legitimidade dos descendentes e a de que reduz o desejo sexual tornando a mulher menos promíscua. Estabelece também, de acordo com as crenças destes povos, uma relação directa com a coesão social, com o aumento do prazer do homem, a maior facilidade na altura do parto e, também, por razões estéticas e higiénicas pois, para estes, os órgãos genitais da mulher são considerados sujos e inestéticos.

Razões. Há razões envolvidas na prática da MGF, são elas a religião seja ela praticada entre Islâmicos, Católicos, Protestantes, Animistas e não só, a higiene/saúde porque a vagina é suja e tem um cheiro desagradável e, por isso, deverá estar protegida porque se o ar entrar pode provocar infecções.
Outras razões são as psico-sexuais que têm a ver com o clítoris que é considerado um órgão agressivo e as razões sociológicas em que há uma garantia de que se as raparigas são infibuladas estarão virgens quando se casarem.

Matronas. Falta referir que, para que estas raparigas sejam mutiladas, tem de haver alguém que se encarregue de toda a “operação”. Para este ritual são chamadas as matronas, mulheres idosas da comunidade que têm um elevado estatuto social, e que vêem na perpetuação da MGF a sua fonte de rendimento. Estas mulheres utilizam objectos cortantes como por exemplo, lâminas ou pedaços de vidro, para excisar as raparigas que se submetem a uma intervenção para a qual não há qualquer preparação sanitária nem qualquer tipo de anestesia.

As consequências. No imediato as consequências prendem-se com a hemorragia, o choque, tétano, HIV/AIDS, septicemia, lesões e infecções na vagina, recto e bexiga, retenção urinária, só para mencionar alguns, lembrando que em última análise provoca a morte.
Obviamente que este tipo de prática também tem repercussões a médio e a longo prazos. A médio prazo a MGF provoca anemia severa, infecções pélvicas, dismenorreia, dores durante o coito, complicações durante o coito (devido às insistentes rupturas de pele - a defibulação) e durante a gravidez e o parto.
A longo prazo podemos acrescentar a esta já extensa lista a infertilidade, Hepatite B, Sida, formação de quistos e pedras na vagina, incontinência urinária e/ou anal, disfunções sexuais (pela ausência de prazer) e as complicações psicológicas como a ansiedade e a melancolia.

Medicalização. Recentemente ouve-se falar da medicalização da prática da MGF. Os profissionais de saúde começam a ocupar o espaço das matronas devido a crenças dos pais que julgam assim proporcionar melhores condições de assepsia e higiene às suas filhas.
Apesar da OMS condenar veemente a atitude/postura destes profissionais de saúde a medicalização continua a ocorrer e os profissionais defendem-se alegando que a mutilação será sempre feita, independentemente das condições em que é realizada, por isso estes “oferecem” as condições básicas.
Segundo, também, a OMS a prática da MGF medicalizada surge em consequência do particular ênfase que as primeiras campanhas para erradicar a mutilação dava às implicações para a saúde, o que terá dado a ideia errada de que se a mesma for feita em condições médicas óptimas acarretará menos problemas para a vida destas raparigas.

Um caso de sucesso. Waris Dirie, conhecida modelo da Somália, foi vítima da MGF aos 5 anos, tendo fugido aos 13 para Londres, aos 18 torna-se modelo e é em 1997 que publica o seu primeiro livro “Desert Flower” onde conta a sua história pessoal. Ainda em 1997 é nomeada Embaixatriz Especial para a Eliminação da MGF, pelas Nações Unidas. Hoje em dia é responsável pela fundação que tem o seu nome através da qual procura combater e erradicar a prática da MGF, fazendo um trabalho junto dos governos ocidentais através de manifestos.

Estratégias da UNICEF. A UNICEF propõe-se desde há bastante tempo contrariar este tipo de ritual de transição substituindo-o por outros que não incluam qualquer tipo de danos físicos. A estratégia passa por acompanhar holisticamente as comunidades e fomentar campanhas de consciencialização das mesmas. Torna-se necessário intervir na educação das mulheres e das crianças por forma a imprimir nestas um acréscimo de poder na medida em que o poder está concentrado nos homens, quer no que ao dinheiro diz respeito, quer nas decisões referentes à saúde das próprias mulheres. Acelerar a mudança social e criar as condições necessárias para que as mulheres se consciencializem da extensão dos seus direitos é um passo urgente e necessário.
[4]
[1] OMS – Abril 1997
[2] Female Genital Mutilation/Cutting – a statistical exploration; Unicef; 2005
[3] Yasmina Gonçalves; Mutilação Genital Feminina; 2004
[4]
Female Genital Mutilation/Cuttung – a statistical exploration; Unicef; 2005

quinta-feira, abril 27, 2006

quarta-feira, abril 26, 2006


CONFERÊNCIA
Mutilação Genital Feminina
Uma Abordagem Multidisciplinar
Dra. Mafalda Félix Santos
Licenciada em Comunicação Social
Pós graduada em Criminologia
Prof.Doutor Luis Graça
Sociólogo, docente da Escola Nacional de Saúde Pública
da Universidade Nova de Lisboa


Comentador da conferência

Dra. Paula Nobre de Deus
Assistente Social
,docente do ISSS de Beja,
autarca e deputada na AR do Grupo Parlamentar
do Partido Socialista

Comentadora da Conferência

Dra.Isabel Cristina Varón de Carvajal
Assistente Social colombiana, com vasta experiência em trabalho social na América Latina e Europa

Comentadora da Conferência
Professor Dr. Jorge Cabral
Docente da Universidade Lusófona,
Presidente do Instituto de Criminologia,
Especialista na área da Infância, direito penal,
escritor.


Comentador da conferência

segunda-feira, abril 24, 2006

3 Milhões de Vítimas
de Mutilação Genital Feminina

Diversos organismos internacionais têm vindo alertar a comunidade mundial para o drama da Mutilação Genital Feminina. Segundo o relatório da Unicef, Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina, publicado em 2005, denuncia que três milhões de vítimas por ano sofrem este flagelo internacional

Fenómeno social complexo, porque a sua explicação requer diferentes perspectivas de abordagem (género antropológica, sociológica, religiosa, etc.) a mutilação genital feminina, tem merecido a condenação dos organismos de direitos humanos, mas a pratica continua violentando crianças e jovens mulheres.

A temática escolhida para a conferência organizada pelo Fórum de Santo António, que reúne especialistas de renome, pretende evidenciar um diagnóstico e levantar pistas para a intervenção social, especialmente numa perspectiva de prevenção, dando visibilidade a um problema, que muitas das vezes se apresenta escondido e clandestino. Sendo uma conferência certificada, recomendamos a profissionais, docentes, estudantes das várias profissões de intervenção social

Mutilação Genital Feminina Uma Abordagem Multidisciplinar
17 de Maio de 2006

Programa

16.00h – Abertura do Secretariado
16.15h – Sessão de Abertura
Dra. Teresa Sustelo - Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Zona Central
Dra. Fátima Corte-Real – Coordendora Serviço Social do Hospital Capuchos
Dr. Alfredo Henriquez – Presidente do CPIHTS
Dra. Conceição Correia Dias – Coordenadora Serviço Social – Hospital Miguel Bombarda
16.30h – Conferência
Dra. Mafalda Félix Santos
17.00h – Comentadores
Dr. Jorge Cabral
Prof. Doutor. Luís Graça
Dra. Cristina Carvajal
Dra. Paula Nobre de Deus
18.00h – Encerramento


FICHA DE INSCRIÇÃO
NOME (completo e legível) ________________________________________________________
MORADA________________________________________________________
LOCAL DE TRABALHO___________________________________________
CONTACTOS:
Tel:________________ TM________________ Fax________________ E.mail_____________________________________________________

- Profissionais :10 € / Estudantes:5 € [número de inscrições limitado]

ENVIE A FICHA DE INSCRIÇÃO PARA
Hospital dos Capuchos – LAU – Alameda Sto. António, 1 – 1169-050 Lisboa
Telf. 918 520 8 36 / Fax: 213 177 488 e 213 570 894
para mais informações:
96 436 5208

Inscrições limitadas até 12 de Maio

segunda-feira, abril 17, 2006


ASSISTENTE SOCIAL
DEFENDE TESE DE DOUTORAMENTO NO BRASIL

Prof. Doutoura Adelaide Malainho defende Tese de Doutoramento na PUC de São Paulo
As Práticas do Assistente Social nas Organizações de Apoio à Terceira Idade no Distrito de Braga – Portugal
A Assistente Social. Dra. Adelaide Malainho, docente do Instituto Superior de Serviço Social, actualmente a leccionar no ISSS de Beja, defendeu em Agosto de 2005, na cidade de S. Paulo, Brasil, a sua tese de doutoramento em Serviço Social obtendo os maiores louvores.
O Fórum de Santo António dos Capuchos terá oportunidade de apreciar o seu trabalho em conferência marcada para Breve.


B. Alfredo Henríquez C.


Alcoolismo e Serviço Social:
Um trabalho concomitante


Mafalda Sofia Félix dos Santos[a]

O artigo de Rachel E. Roiblatt e Maria C. Dinis [1], publicado na Social Service Review de Dezembro de 2004, torna-se um documento importante na medida em que estabelece uma ligação entre a evolução/especialização dos assistentes sociais a par do acompanhamento e tratamento do alcoólico. De acordo com as autoras, a função primordial destes assistentes é a de mediar a relação entre a sociedade e os alcoólicos, de modo a promover a sua reintegração. São eles que devem gerir a informação acerca dos que acusados de intoxicação e dos que são reencaminhados para os asilos.
A especialização das ciências sociais nesta matéria foi gradual, tendo significado especial a emergência do Serviço Social, em que 5.6% dos empregos a tempo inteiro são dedicados ao tratamento do alcoolismo, e 7.8% ao das drogas, segundo dados de 1996. A nível histórico é importante frisar que grande parte da criação de asilos para tratamento de alcoólicos se deve aos assistentes sociais. Estes asilos cresceram estrondosamente entre 1870 e 1902, chegando a superar a centena nos Estados Unidos. 1870-1918Benjamin Rush foi pioneiro no que concerne ao registo da descrição das experiências dos seus pacientes alcoólicos. Durante a Revolução Industrial surgiram outras teorias de tratamento que deram origem a organizações destinadas a combater a crescente incidência de alcoolismo nos EUA. O movimento Washingtoniano promoveu a criação de diversas instituições fundamentadas no conceito de auto-ajuda, o que permitiu que muitos alcoólicos pudessem continuar a viver nas suas casas, ou alojados em lares temporários ou asilos, de acordo com o seu estatuto social ou os seus recursos financeiros. Depois da Guerra Civil surgiram outras instituições dotadas de maiores recursos e, consequentemente, com maior capacidade de apoio aos pacientes. O pessoal era especializado e a presença assídua de médicos e filantropos promoveu uma maior eficácia dos serviços. Nestes locais era esperado que os residentes trabalhassem o dia todo em actividades relacionadas com as instituições, fizessem exercício físico e seguissem uma dieta rigorosa. A ideia assumida por Rush e outros de que o alcoolismo era uma doença, depressa foi recusada por médicos e cientistas criando incentivos a novas formas de tratamento, mais humanizados, em vez das formas punitivas vigentes até então. A tentativa de erradicar o alcoolismo levou ao surgimento de duas organizações muito influentes: The Woman`s Christian Temperance Union, criada em 873, e a Anti Saloon League, que surge 20 anos mais tarde. Em 1900 e durante os 10 anos seguintes estes trabalhadores voluntários passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante na resposta aos problemas dos alcoólicos. Defendeu-se, então, a criação de quintas para alcoólicos crónicos, onde estes deveriam permanecer ocupando-se de determinadas tarefas até que o conselho determinasse a sua reabilitação e possibilidade de reintegração na vida normal da sociedade. A abstinência total em relação ao álcool era uma condição sine qua non.Em 1915 o psiquiatra Irwin Neff considerava a embriaguez uma doença que resultava da fraqueza nervosa hereditária, uma falha psico-neurótica. Assim, o alcoólico não era mais do que a soma da sua personalidade e dos sintomas de embriaguez. Dois anos mais tarde, Richmond já falava da necessidade de se prestar uma atenção contínua aos casos de alcoolismo, adaptando o tratamento deste, tendo em conta a sua personalidade e tipo da sua embriaguez.A aprovação da Lei Seca pelo Congresso dos Estados Unidos da América em 1919, com efeitos a partir de 16 de Janeiro de 1920, veio tentar regular o consumo de álcool, considerado excessivo na altura. Desenvolvida como uma forma de prevenção, a Lei Seca era fundamentalmente um acto legislativo que proibia o consumo de qualquer bebida com um grau alcoólico superior a 0.5%/vol.Nos últimos anos que antecederam a aprovação desta lei, a função dos assistentes sociais centrava-se na orientação de alcoólicos crónicos tanto a nível médico como a nível legal. Os assistentes dedicavam-se a reunir informações, a construir a história mental e psicológica dos indivíduos, a sua situação financeira, religião, emprego, educação. Procuravam também reconstruir toda a sequência que ligava o indivíduo ao consumo/abuso de álcool.Em 1914 Elizabeth Tilton referia-se ao trabalho dos assistentes como importante no sentido de informar e até de prevenir o consumo de álcool, pois achava que a educação das pessoas nesta área contribuía para reforçar a luta contra a pobreza, crime e imoralidade. Para ela educar tratava-se de um bom investimento, um bom negócio para a nação.Grady Lee Law Esta lei aprovada em 1910 previa que qualquer pessoa podia ser internada em instituições, ou em quintas, por um período de 1 a três anos, quer por sua própria iniciativa, quer através da denúncia de um familiar. Na sequência da aprovação desta lei, foi criado um conselho composto por cinco membros, responsáveis pela gestão e acompanhamento de todos os indivíduos que tivessem sido presos e condenados a internamento por um tribunal. Esta lei também proporcionava cuidados médicos e tratamento a alcoólicos que não tivessem presentes a qualquer tribunal. Os assistentes sociais passaram a desempenhar o papel de oficiais de justiça, vigiando e aconselhando, investigando casos e informando o tribunal acerca da conduta dos pacientes/internados, e pronunciando-se sobre a sua permanência em asilos, ou sobre o seu encaminhamento para as já referidas quintas. Homer Folks descreveu estas quintas como locais que ofereciam aos alcoólicos autoridade, disciplina, ocupação mental e moral, tratamento hospitalar moderno e atendimento médico. 1919-1935Em 1923 a National Federation of Settlements realizou um estudo para avaliar o impacto da Lei Seca, estudo este que foi feito através de um questionário distribuído por 170 trabalhadores por todo o país. O estudo destinava-se a medir as mudanças da vida social dos bairros desde que os estabelecimentos/bares tinham sido encerrados, especialmente os índices de delinquência, crime, poupança nas famílias, boa vizinhança, etc, antes e depois da promulgação da Lei Seca.Dez anos depois, o agora apelidado Liquor Control Comittee volta a circular um novo questionário com o fim de avaliar o interesse do público para a educação para o consumo moderado de álcool. O que era suposto ser um follow up do estudo anterior reunia agora apenas 10 perguntas, dado o crescente desinteresse por parte daqueles a quem o estudo se destinava.
Em 1928, altura de eleições, já era evidente que a Lei Seca como política anti consumo de álcool havia falhado. Depois de 1935, altura em que foram criados o programa “Alcoólicos Anónimos”, o panorama mudou drasticamente. A abordagem aos alcoólicos passou a ser feita de forma diferente, convictos de que os AA teriam uma taxa de sucesso bem superior à dos tratamentos tradicionais de índole psicoterapêutica. Alguns assistentes sociais que queriam continuar o seu trabalho junto dos alcoólicos foram afastados pois nos seus lugares estavam agora profissionais de saúde.Em 1955 surge a National Association of Social Workers (NASW), e com esta a organização de encontros anuais que reuniam diversas entidades e organizações de todo o mundo, em que discutiam perspectivas sobre o alcoolismo, a embriaguez, e a sua relação com outros factores sociais, como a pobreza e a desintegração social. A grande questão era saber se o alcoolismo era a sua causa ou a consequência.O sumário apresentado pelas autoras do artigo refere pontos essenciais para a compreensão da divergência entre os assistentes sociais e o tratamento do alcoolismo. Primeiramente focam que o interesse das autoridades com fundos públicos e das fundações com fins de caridade diminuiu após o reconhecimento de que o alcoolismo não era a causa da pobreza. As federações que se desenvolveram em meados dos anos 30 tinham pouco em comum com os activistas anti-pobreza bem como com os progressistas sociais, que tinham, na geração anterior, agitado o panorama do tratamento do alcoolismo.Em segundo lugar, o tratamento em quintas/colónias foi abandonado e substituído pelos Alcoólicos Anónimos em 1935, altura em que foram criados. A ideia generalizada de que os alcoólicos eram fracos e imorais foi imediatamente afastada pelos AA que avançaram com uma perspectiva de suporte comportamental a estas pessoas.Em terceiro lugar, concluiu-se que os assistentes sociais se afastaram do tratamento dos alcoólicos para se dedicarem a outras necessidades. A elevada taxa de reincidência e o estigma social, bem como a falta de ferramentas ao dispor destes profissionais, também contribuíram para esse facto. A crescente visibilidade de assistentes do sexo feminino também poderá ter contribuído para a referida mudança, uma vez que a maioria dos alcoólicos eram do sexo masculino.Ainda nos nossos dias o tratamento de alcoólicos e o trabalho social encontram-se em caminhos paralelos, mas são áreas que se tocam em determinados campos.
Fontes bibliográficas: Roiblatt, Rachel E. e Dinis, Maria C. ; The lost link : social work in early twentieth-century alcohol policy; Social Service Review; Dezembro 2004. http://www.virtual.epm.br [1] Roiblatt, Rachel E. e Dinis, Maria C. ; The lost link : social work in early twentieth-century alcohol policy; Social Service Review; Dezembro 2004

[a] Mafalda Sofia Félix dos Santos, liceciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa, com especiaidade em Jornalismo. Pósgraduada em Criminologia pela Universidade Lusófona. Especialista em Enologia. Publica em co-autoria Mutilação Genital Feminina, Mafalda Sofia Santos e Paulo César Matos, vejase in http://www.cpihts.com/. Especialista em Enologia.
mafalda.santos.@mail.pt

quinta-feira, abril 13, 2006

SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE:
PROCESSO DE TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL


Ilda Lopes Witiuk *


1. INTRODUÇÃO

Na intencionalidade de realizar uma aproximação com o processo de trabalho dos Assistentes Sociais de Hospitais Universitários, realizamos uma pesquisa com os profissionais pertencentes, até o mês de agosto de 1997, ao quadro funcional dos Hospitais Universitários de Curitiba.
No processo de tabulação e análise dos dados, os hospitais foram classificados de acordo com o número de Assistentes Sociais neles existentes. Assim, o Hospital “A” tem 32 profissionais de Serviço Social, o Hospital “B” 7 profissionais e o Hospital “C” com 2. A amostragem estratificada corresponde a 14 Assistentes Sociais (34%) do total de 41 profissionais de Serviço Social que atuam nestes hospitais.
Na configuração do perfil dos sujeitos de pesquisa podemos destacar que 100% são do sexo feminino, com faixa etária entre 28 e 39 anos. Dos entrevistados 14,3% têm de 3 a 5 anos de formado; metade dos entrevistados (57,15%) estão entre a faixa de tempo de formado de 6 a 8 anos, enquanto 28,55% estão na faixa entre 9 a 15 anos de formado.
No caminho metodológico percorrido destacamos o momento de repasse dos resultados da pesquisa aos Assistentes Socais através de reunião. Alguns profissionais falaram da importância de participar desse momento de reflexão da atuação profissional, evidenciando a necessidade de construção de novas estratégias de superação de questões problematizadas.


2. UMA PESQUISA REVELADORA.

As considerações levantadas pelo pesquisador e enriquecidas pelos sujeitos da pesquisa são transcritas a seguir.
A falta de hospitais próprios do Sistema de Saúde faz com que sejam credenciados hospitais privados para o atendimento da demanda, considerada significativa. Os Hospitais Universitários que necessitam da população, como objeto de aprendizagem do seu corpo clínico e alunos, credenciam-se ao SUS para atendê-la. A população carente, por sua vez, submete-se como objeto de aprendizagem por não ter outra forma de acesso à saúde. Essa relação Sistema/Universidade/População tem como conseqüência o atendimento a uma demanda populacional importante, com foco quase exclusivo na prestação de serviço, com defasagem significativa quanto ao cunho pedagógico.
Os profissionais de Serviço Social entrevistados, trabalham como assalariados, vendem sua força de trabalho. Estão subordinados às decisões da estrutura hierárquica. Não participam do processo decisório. A grande maioria tem funções de execução de tarefas e não de decisão. “O Assistente Social é um trabalhador de linha e não de staff, como se diz hoje na moderna teoria organizacional” ( FALEIROS, 1993, p. 20)
O Assistente Social, pelo fato de não possuir poder de decisão num aspecto mais amplo, utiliza-se de pequenos recursos (informação de pacientes em UTI, emergenciar atendimento, fornecer transporte, etc.) para reforçar seu próprio poder pessoal diante da clientela. Assim, o Assistente Social se coloca, “frente a uma população dividida e carente de poder sobre sua vida”, (FALEIROS, 1993, p. 20) sem contudo se perceber como integrante, ou fazendo parte dessa classe de assalariados.
MAIOCHI (1997, p. 246) traz como contribuição para discussão desta questão de poder dentro da universidade a diferenciação entre poder e autoridade. Segundo o autor, o conhecimento, o saber, deveriam conferir ao especialista, autoridade e não poder. A diferença entre “Poder e autoridade do ponto de vista weberiano, esta no fato de que o poder envolve força e coerção, enquanto autoridade é exercida com base na obediência voluntária, o que exige um sistema de valor partilhado pelos membros da organização”.
O que se poderia dizer com relação ao poder, ou autoridade, nesse espaço acadêmico, - Hospital Universitário -, é que em sua estrutura o grupo de especialistas que detêm (para uns) o poder e (para outros) a autoridade é o grupo médico. Isto é devido ao reconhecimento do conhecimento que eles detêm. Os demais especialistas, de forma geral, não são reconhecidos como portadores de poder ou autoridade. Poder-se-ia inferir que o não reconhecimento da autoridade do especialista que não é médico, enquanto portador de conhecimento, se dá pelo fato de que “o fundamento da autoridade administrativa, e a especializada é muito influenciada pela proporção e tipo de conhecimento do especialista” (ETIZIONI, p. 117). A estrutura organizacional não se apercebeu como laboratório da prática em algumas áreas e dentre estas o Serviço Social. O Hospital Universitário parece ter como objetivo único, a formação de acadêmicos de medicina.
Quanto às atividades desenvolvidas pelos profissionais entrevistados dos hospitais “A”, “B” e “C” entende-se que as mesmas não se diferenciam entre si, e são assumidas historicamente como próprias do Serviço Social.
MUNHOZ ( 1996, p. 14), ao refletir sobre o cotidiano do Serviço Social, lembra que o profissional desta área, muitas vezes, esconde de si mesmo, através de representações fantasiosas, a prática que tanto destoa do seu imaginário, que não corresponde à última moda dos profissionais da área “situados na comunidade científica”. Enfrentar a prática, segundo a autora, “é movimentar o ‘trem da universidade’ com destino à estação realidade, não só para apreciar o ‘como não se faz’, mas, sobretudo oferecer alternativas a um fazer melhor”.
BRAVO (1996, p. 51), por sua vez, ao estudar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social no período compreendido entre 1940 a 1960, faz referências a muitas dessas atividades desenvolvidas atualmente pelos profissionais nos Hospitais Universitários. Cabe aqui destacar que o fato das atividades desenvolvidas pelos profissionais dos Hospitais Universitários, hoje, constituírem-se em atividades já desenvolvidas na década de 40, necessariamente não significam estagnação. Muitas outras profissões vivem essa realidade (psicologia, medicina, enfermagem e etc.)
Não são as atividades historicamente assumidas pelo Assistente Social que determinam a contemporâneidade do seu fazer profissional. A postura é reveladora da perspectiva metodológica do agir profissional. O sujeito age independente da consciência da repercussão de suas ações e dos conhecimentos teóricos apreendidos. Percebe-se, nos depoimentos dos profissionais pesquisados que o Serviço Social se constitui, muitas vezes, como o único elo entre família/hospital/médico. Viabilizando assim o acesso da população a procedimentos, normas, rotinas e informações da instituição hospitalar, facilitando ou amenizando o processo difícil e muitas vezes traumático que é o de estar internado, ou ser familiar de alguém que está em atendimento hospitalar.
É importante destacar também que essas atividades desenvolvidas pelos Assistentes Sociais na área da saúde, historicamente visavam suprir as deficiências da estrutura, da política pertinente à área. Não se verifica mudança visando a superação das deficiências detectadas ao longo dos anos. Com o crescimento populacional houve, isso sim, a deterioração da situação, reforçando a atribuição do Serviço Social no papel de mediador entre o usuário e o sistema.


3. CONHECIMENTO CIENTIFICO X ATIVISMO

Os Assistentes Sociais pesquisados têm presente que as atividades desenvolvidas cotidianamente nos Hospitais Universitários fazem parte de um fazer profissional não reflexivo, preocupado em dar resposta à demanda, em viabilizar o acesso da população ao atendimento, buscando, assim, minimizar as deficiências do Sistema, tendo presente que um dos fatores que mais estressam o profissional de Serviço Social e que dificultam sua atuação é a grande demanda e, principalmente, a postura pouco comprometida assumida por alguns profissionais da área médica no atendimento à população.
Os demais profissionais da área da saúde encaminham para o Serviço Social aquilo que não conseguem resolver ou que não têm tempo para fazê-lo. O profissional de Serviço Social trabalha com questões que não são reconhecidas como de importância para a sociedade, por não se revestirem de caráter de relevância na ordem sócio-econômica.
O Assistente Social é um profissional de formação genérico crítica pela incidência de fundamentos teórico explicativos de outras áreas do saber, permitindo a possibilidade de consolidação de uma visão de homem e de mundo na perspectiva da totalidade. Sendo a instituição um espaço contraditório e antagônico na disputa de poderes, o assistente social deve construir mediações que legitime o exercício profissional parametrado nas competências e atribuições consolidadas no âmbito do projeto ético-político. Os depoimentos das profissionais revelam as dificuldades encontradas no seu desempenho profissional: desconhecimento de outros profissionais do papel do assistente social (“pau para toda obra”, secretaria, etc.).
A ausência de criticidade conduz o Serviço Social, segundo MUNHOZ (1996, p. 224) a vulgarização pela aceitação passiva de tarefas hetero-atribuídas por outros profissionais - e não profissionais -, dificultando o encontro com o que possa conduzir-se à substância da profissão. E além de suas tarefas serem muitas vezes definidas por outros ou por outras instâncias, elas têm, via de regra, caráter de urgência na operacionalização e de providencialismo conferindo, com isso, ao assistente social, a característica de que deve estar em contínua prontidão para agir.
O profissional de Serviço Social, na perspectiva de conquistar reconhecimento, busca superar-se na procura de soluções para situações imediatas, reforçando a idéia inicial, condicionando-se a valorizar aquelas atividades que suprem o déficit da oferta do serviço de saúde. A negação, na equipe de saúde, daquelas atividades do Serviço Social que têm cunho formativo, preventivo, destacam a valorização da eficiência.
O profissional de Serviço Social nos Hospitais Universitários, tem reforçado essa visão dos demais profissionais à medida em que se entrega ao ativismo, não se atualizando ou efetivando novas ações pela reconstrução teórico-metodológica de categorias explicativas que contribuem, na processualidade, para fortalecer a atitude reflexiva e crítica.
O fundamento da autoridade acadêmica é muito influenciado pela proporção e tipo de conhecimento do especialista. O Assistente Social “emparedado” na estrutura organizacional, pressionado para atendimento à demanda, não priorizando o espaço acadêmico, perde cada vez mais seu espaço organizacional enquanto detentor de conhecimento perante a instituição e demais profissionais.
O profissional sozinho, ou “emparedado” à sua estrutura institucional, muitas vezes só consegue enxergar a dicotomia entre uma teoria que condena o sistema ineficiente pregando sua transformação e a prática vista apenas como ajustada à filosofia desse sistema questionado. Isso faz com que não consiga valorizar, em seu fazer cotidiano, a primazia da perspectiva educativa no processo de formação acadêmica.


4. VALORES E PRINCÍPIOS EM CONFRONTO

A universidade tem como princípio filosófico a formação integral do homem. O que exige uma visão interdisciplinar de construção de conhecimento coletivo. O fato de estar inserida em uma sociedade faz com que, na prática, a universidade confronte seus valores e princípios com os da lógica do lucro e da acumulação, presentes na sociedade capitalista. Nesse sentido, na universidade não há espaço para o supérfluo.
O Hospital Universitário, enquanto universidade, vivenciando esse conflito, procura no atendimento à população, devolver o homem para o seu ambiente de origem no menor tempo possível, com a prática do menor gasto, atendendo um mínimo de condições de sobrevivência fora do ambiente hospitalar. Durante o espaço de tempo de recuperação do fator físico-biológico do homem, são trabalhados seus aspectos psíquicos e sociais. Quando se concretiza a recuperação das funções fisiológicas do homem, que se evidenciam na aparência, as questões psicossociais voltam a ser de responsabilidade individual do ser “biologicamente recuperado”.
A partir dessa visão de saúde fragmentada, onde o que se objetiva é a eficiência, na recuperação dos aspectos físico-biológicos do homem em um curto espaço de tempo, com o menor gasto possível, é explicável a idéia da hierarquização dos papéis profissionais e a prevalência de ações da medicina e da enfermagem sobre os demais profissionais.
Outro fator importante a ser destacado é o fato de que os Assistentes Sociais entrevistados trabalham em hospitais públicos e privados com atendimento de emergência. Esses hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde encontram dificuldades como, a baixa remuneração por procedimento da tabela do SUS. A baixa remuneração por procedimentos gera um quadro reduzido de profissionais. Esta foi uma das dificuldades apontadas pelos entrevistados. A desmotivação de alguns médicos, apontada também pelos profissionais, se dá pela baixa remuneração por procedimento da tabela SUS e conseqüente perda do status financeiro, como profissão supervalorizada. Acrescenta-se ainda o fato de que o vínculo da maioria dos médicos com os Hospitais Universitários ser de prestador de serviço. Este mesmo vínculo é mantido com vários outros hospitais, fazendo com que os médicos passem pouco tempo no hospital, priorizando nesse espaço de tempo a visita aos pacientes internados sob seus cuidados, e na maioria das vezes não tendo tempo para contato com os demais profissionais da área de saúde e familiares de pacientes que os procuram. É nesta instância que o Serviço Social entra como mediador entre médico, paciente e familiar do paciente.


5. PESQUISA CONSTATA UMA REFLEXÃO DA PRÁTICA EMPAREDADA

Dentre os profissionais entrevistados verifica-se que o percentual de profissionais que repensam a prática diariamente, 43%, estão agrupados na faixa entre 3 a 8 anos de formados. Aqueles profissionais que no seu depoimento referem que não refletem a prática, ou que refletem periódica ou esporadicamente, representam 28% da amostragem e estão na faixa, com relação ao tempo de formado, entre 9 a 15 anos de formados. Sendo que destes, 25% dizem que revêem a prática periodicamente, 25% que só o fazem esporadicamente e 50% dos profissionais responderam que não revêem a prática profissional. Em contrapartida, verifica-se um contraste entre a categoria acima e os entrevistados com 3 a 8 anos de formados, em que 60% dizem repensar sua prática profissional diariamente, 10% periodicamente e 30% esporadicamente.
Há que se considerar ainda o fato de que os profissionais que fazem a reflexão da prática, afirmam fazê-la com os iguais, ou seja, os colegas de trabalho, estagiários, chefias envolvidas como ele no mesmo ambiente de trabalho, na mesma realidade e que muitas vezes também não conseguem na reflexão, ultrapassar as muralhas da organização, o que pode gerar uma prática amarrada aos limites internos, sem perspectivas de mudança, gerando, até mesmo, uma desmotivação para a reflexão da prática realizada. A reflexão desta, quando ocorre, é espaço para desabafo, terapia e lamentações, ao invés de ser motor para superação das dificuldades internas e externas ao profissional.
Nos depoimentos dos Assistentes Sociais, relativos à política de saúde e aos Conselhos Municipais de Saúde, percebe-se que o profissional se coloca como prestador de serviço, questionando resultados imediatos, ou aqueles aspectos que obstaculizam a sua eficiência assistencial, secularizando a reflexão sobre a análise de compreensão da conjuntura que determina essa realidade.
Pode-se concluir com a pesquisa, que o Assistente Social atuante na realidade da saúde, conhece as dificuldades vividas pela população com relação ao acesso ao seu direito constitucional de saúde. Consegue formalizar uma análise dos interesses e motivos que levam a saúde à situação atual. No entanto, esta análise pode ser considerada como descolada da realidade, sem maior aprofundamento, na medida em que não leva a atitudes de compromisso na busca de soluções para a situação caótica da saúde, já que é parte integrante do processo, inclusive por feito legal (a resolução n° 218 de 6 de março de 1997, resultado das lutas travadas pelos órgãos representativos da categoria), inclui o Assistente Social na equipe de saúde, reconhecendo sua contribuição enquanto profissional da área de saúde.

6. ASSISTENTE SOCIAL E HOSPITAL UNIVERSITÁRIO, COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO.

Pode-se dizer também que uma das constatações mais importantes desse trabalho refere-se ao processo educativo.
Os entrevistados são profissionais que atuam nos Hospitais Universitários de Curitiba. Segundo o MEC, o Hospital Universitário é o hospital de propriedade ou gestão de Universidade Pública ou Privada, ou a elas vinculado, tendo como compromisso o ensino, a pesquisa e a assistência.
O que se depreende da pesquisa quanto ao Serviço Social nesse processo, é que tanto a universidade quanto o hospital e mesmo os Assistentes Sociais ainda não se aperceberam do papel acima mencionado, ou seja, o de condutores do laboratório da prática. Acresce-se o fato de que fazem parte das atribuições do Assistente Social segundo a lei n° 8.662 de 7 de junho de 1993, “o treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social”.
Tal situação fica patente nos Hospitais Universitários pesquisados, na medida em que não se verifica a preocupação por parte da gerência da hierarquia superior com a definição do perfil do profissional a ser contratado para exercer as funções de executor da política da saúde e formador. Os profissionais são selecionados como em qualquer outra instituição, ou seja, para trabalhar na assistência ao paciente. Os quesitos pesquisa e ensino não são considerados nem nas exigências de formação do Assistente Social, nem nas atribuições que lhe são conferidas.
Não se percebe a preocupação em se construir um ambiente favorável a nível acadêmico para o desenvolvimento orgânico da unidade teoria e prática. De igual forma não se percebe a preocupação de um maior entrosamento entre educadores e educandos, dando ao profissional que atua nestas instituições, estrutura de pessoal e tempo que permitam uma maior dedicação às atividades acadêmicas.
O que se pode afirmar é que, com a realidade atual vivida pelos hospitais e universidades, quem mais perde é o aluno, que mergulha com o profissional em um fazer desregrado na busca apenas de atender à demanda que os procura. No processo de formação acadêmica quando o Assistente Social não repensa sua prática e não cria tempo para o estagiário, o resultado é, muitas vezes, de frustração tanto para o estagiário, quanto para o profissional que atua naquele campo de estágio.
Cabe a partir dos resultados da pesquisa aqui apresentada e discutida com os colegas sujeitos da pesquisa, a cada um de nós, as coordenações dos cursos de graduação em Serviço Social, a ABEPSS e ao conjunto CEFESS/CRESS pensarmos em alternativas que viabilize ao Assistente Social inserido nessa realidade passar de uma prática ativista e emparedada para uma prática articulada, refletida, comprometida com os princípios e prerrogativas de nosso projeto profissional para a consolidação do fazer crítico, criativo e criador.

7. BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Resolução n.º 218, de 6 de março de 1997. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n.º 83, 1997.
_______. Resolução n.º 375 de 4 de março de 1991. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p.4061, seção I, 6 de março de 1991.
BRAVO, Maria Inês de Souza. Serviço Social e Reforma Sanitária: lutas sociais e práticas profissionais. Rio de Janeiro: Cortez e UFRJ, 1996.
FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e Ideologia do Trabalho Social. São Paulo : Cortez, 1989.
_____. Saber Profissional e Poder Institucional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
MAIOCHI, Neuza Fátima. As Organizações Universitárias e o Processo Decisório. In: FINGER, Almeri Paulo (Org.). Gestão de Universidades: novas abordagens. Curitiba: Champagnat, 1997. p. 217-293.


* Assistente Social Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Doutorada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Investigadora do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social

quarta-feira, abril 12, 2006

Fórum de Santo António dos Capuchos

O Fórum de Santo António dos Capuchos é uma iniciativa de profissionais de Serviço Social organizada pelo Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), pelo Serviço Social dos Hospitais dos Capuchos, Desterro, Miguel Bombarda, Liga dos Amigos e Utentes do Hospital dos Capuchos (LAU) e do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona.

Iniciando as suas actividades em 1999, ao longo dos anos foi consolidando a sua vocação como um espaço de debate científico sobre temáticas vinculadas às áreas das políticas sociais da saúde e da segurança social, bem como de reflexão sobre desempenho, intervenção profissional e questões relacionadas com a ética e a deontologia. Dado o interesse científico e académico das suas actividades, progressivamente este espaço foi sendo alargado participativamente a outros profissionais, estabelecendo um diálogo positivo multidisciplinar. Dai a inclusão nas suas actividades de médicos, enfermeiros, historiadores, juristas e estudantes de várias áreas das áreas das ciências humanas.

Os Coordenadores do Fórum

A Organização, a planificação e execução das actividades do Fórum de Santo António recai na responsabilidade dos seus coordenadores:
A Dra. Fátima Corte Real (Coordenadora do Serviço Social Hospital dos Capuchos e Desterro); Dra. Maria Conceição Correia Dias (Coordenadora do Serviço Social do Hospital Miguel Bombarda); Dr. Jorge Cabral (presidente do Instituto de Criminologia) e do Dr. B, Alfredo Henríquez C. (presidente do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social), Dra. Isabel Cristina
Carvajal.

terça-feira, abril 11, 2006



Depressão no Idoso & Processo de Envelhecimento

QUANDO O ENTARDECER CHEGA...

Inês Chaves[1]


O envelhecimento da população é um fenómeno observado em todos os países. Com os progressos médicos e a melhoria das condições de vida, desde a Segunda Guerra Mundial, o número de pessoas com mais de sessenta anos aumenta de ano para ano.
Em muitas culturas e civilizações, principalmente as orientais, o idoso é visto com respeito e veneração, representando uma fonte de experiência, do saber acumulado ao longo dos anos, da prudência e da reflexão. Enquanto noutras o idoso representa o “velho”, o “ultrapassado”e a “falência múltipla do potencial do ser humano”.
A velhice é um processo pessoal, natural, indiscutível e inevitável, para o ser humano. Nesta fase ocorrem mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais, económicas e politicas que integram o quotidiano das pessoas.
O envelhecimento pode assim, ser apreendido a diversos níveis. A nível biológico, porque os estigmas da velhice traduzem-se com a idade por um aumento das doenças, por modificações do aspecto – a forma de se deslocar, aparecimento de manchas e rugas na pele. A nível social, com a mudança de estatuto com a passagem à reforma. A nível psicológico, com as modificações das actividades intelectuais e motivações. A nível funcional, necessidade de apoio para desempenhar as actividades básicas da vida diária.
O artigo 72.º da Constituição da República, referente à terceira idade, consagra que:
1. “As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social”.
2. “A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade”.
Cícero (106-43 a.C.), filósofo romano realizou um ensaio sobre o evelhecimento bem sucedido. O seu trabalho intitula-se “De senectute” (44 a.C.). A velhice é apresentada como um fenómeno variável de indivíduo para indivíduo e, sobretudo como um período que pode oferecer numerosas oportunidades de crescimento pessoal.
A compreensão dos processos de envelhecimento transformam a velhice num momento feliz ou num verdadeiro naufrágio. O desafio do século XXI não será dar tempo ao tempo, mas dar qualidade ao tempo.

A Depressão

A depressão é muito mais do que um sentimento ou uma emoção. Tem potencialidade para ser uma doença mental grave e incapacitante, podendo interferir em todos os aspectos do dia-a-dia de uma pessoa.
Significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Uma sensação de depressão pode ser a reacção a coisas que ocorrem no dia-a-dia. Em algumas pessoas a sensação de depressão pode ser um sintoma/um indício de doença. Manifestam mudanças cognitvas e comportamentais características. Tornam-se apáticas, desmotivadas e sensíveis unicamente aos factos negativos da vida, o que lhes cria um feed-back de reforço do seu estado, tendo frequentemente ideias suicidas, por vezes com passagem ao acto.
O estigma associado às doenças psíquicas é forte e, o preconceito contra a doença psiquiátrica pode ser responsável por alguma renitência que existe em relação ao diagnóstico da depressão. Existe a crença, muitas vezes tácita mas infelizmente generalizada, de que a depressão é auto-induzida.
Os factores cultuais também desempenham o seu papel tanto na percepção da depressão pelo doente, como no aparecimento e no tipo de sintomas. Nas culturas do Médio Oriente, asiáticas e algumas africanas, o conceito de depressão ainda está mal formulado. É, contudo, aparente que a perturbação existe nestas culturas, mas há um maior ênfase nos sintomas somáticos.

A perturbação torna-se major quando o estado perdura durante diversas semanas. A Perturbação Depressiva Major pode ter início em qualquer idade, com uma idade média de início no meio da década dos vinte anos. A característica essencial da Perturbação é a evolução clínica que é caracterizada por um ou mais Episódios Depressivos Major. Os episódios seguem-se frequentemente a um agente stressor psicossocial intenso, tal como a morte de um familiar ou um divórcio. Um episódio é considerado como tendo terminado quando deixam de ser preenchidos os critério completos para Episódio Depressivo Major pelo menos durante dois meses consecutivos.

A sintomatologia surge a nível emocional, físico e cognitivo. Os sintomas emocionais causam ansiedade, preocupação, nervosismo e hipervigilância. Palavras e frases como por exemplo “triste”, “angustiado”, “péssimo”, “na fossa”, “em baixo” são utilizadas para descrever os sintomas emocionais.
Um humor depressivo e a anedonia são considerados os sintomas primários da depressão major. Predomina o desinteresse pelas actividades e a perda de desejo sexual.
Os sintomas físicos têm origem no aumento de actividade do sistema nervoso autónomo, que controla as actividades involuntárias de orgãos e de outras partes do corpo humano.

Na doença depressiva grave poderão ocorrer sintomas físicos como por exemplo a redução do apetite e a perda de peso; alterações no sono com a dificuldade em adormecer/manter-se adormecido; fadiga, manifestando-se como uma sensação de redução de energia, cansaço físico que ocorre após uma actividade normal que, habitualmente não causaria qualquer fadiga.

As alterações do pensamento são um sintoma que varia de ligeiro a grave. Pode ocorrer uma alteração ne eficiência do pensamento (ex. o doente pode perder a capacidade de concentração, ou não conseguir lembrar-se de algo que acabou de acontecer). Outra alteração que pode ocorrer é a desvalorização ou sentimentos de culpa e as ideias ou gestos suicidas repetidos.

Relativamente à duração dos sintomas, segundo as escalas de diagnóstico internacionalmente aceites, é necessária uma duração mínima de duas semanas antes que se possa avançar para um diagnóstico de depressão.

A Depressão no idoso

No idoso a depressão é um fenómeno importante. Considerada como a patologia mais frequente no idoso é, normalmente, apresentada de maneira atípica ou indirecta, ou seja, encoberta por múltiplas e variadas queixas somáticas e associadas a quadros de ansiedade.

A velhice pode ser um período de desabrochar, mas também pode ser acompanhada por perturbações psicopatológicas graves. Sendo visível um forte aumento de heterogeneidade, deve-se, por isso, falar em velhices e não em velhice. Com o envelhecimento podem verificar-se modificações nas reacções emocionais; perdas e separações, solidão, isolamento e marginalização social.
Um dos mais adequados modelos de abordagem da depressão no idoso é o modelo bio-psico-social, o qual congrega os aspectos sociais, psicológicos e orgânicos para produzir e manter o quadro depressivo.

Com o avanço da idade o ser humano pode desenvolver o sentimento de que se inicia a última etapa da sua vida, desencadeando um estado depressivo com a percepção do envelhecimento, valorizando negativamente, se estiverem presentes, a sensação de inutilidade, insuficiência, ansiedade e irritabilidade.

Do ponto de vista vivencial, o idoso está numa situação de perdas continuadas; a diminuição sócio-familiar, a perda do status ocupacional e económico, o declínio físico continuado, a maior frequência de doenças físicas e a incapacidade pragmática crescente, bem como o aparecimento de fenómenos degenerativos ou doenças físicas incapacitantes, compõem o elenco de perdas suficientes para desenvolver um quadro de sintomatologia depressiva.

Outro aspecto a enfatizar é a depressão no idoso institucionalizado. Encontra-se separado do ambiente familiar e habitacional, sensação de abandono, inutilidade e dependência, isolado da actualidade cultural. A baixa qualidade de vida (falta de intimidade, insegurança, tristeza silênciosa, etc.) oferecida nessas instituições, o insuficiente grau de bem-estar pessoal, a reduzida auto-estima, contribui para o agravamento do estado depressivo.

É de salientar alguns aspectos/modificações provocadas pelo envelhecimento desencadeadores de quadros depressivos: Falta de motivação pela vida; afastamento dos filhos e parentes; progressiva limitação física por causa do envelhecimento; sensação progressiva de impotência; perda de controlo sobre os seus; sensação de inutilidade; sentir-se um peso para os filhos e família; perda da capacidade económica e consequente dependência financeira; perda do cônjuge; questionamentos relativos à morte; modificações cerebrais.

Vários autores propõem cinco critérios para diagnosticar a depressão no idoso: Vários sintomas de depressão pelo menos por duas ou mais semanas; sentimento de desânimo; presença de pelo menos quatro dos sintomas seguintes – aumento ou diminuição do apetite, aumento ou diminuição do sono, diminuição da energia, sensação contínua de fadiga ou cansaço, perda de interesse, perda de prazer nas relações sociais, perda de prazer nas actividades quotidianas, sentimentos de reprovação ou culpa de si mesmo, lentificação ou agitação psicomotora, queixas ou evidência de diminuição na capacidade de concentração; alterações no funcionamento quotidiano da pessoa – interação social, nível de actividade profissional, como causa ou consequência da depressão.

Na avaliação de um estado depressivo na pessoa idosa é importante fazer referência ao seu contexto de vida e às respostas do seu ambiente. Um estado depressivo consecutivo a uma viúvez, acontecimento cuja frequência aumenta com a idade, num idoso, não é comparável a um estado depressivo não associado com factos de vida identificáveis.

Utilizam-se auto-questionários da depressão ou escalas de bem-estar subjectivo que o idoso preeenche. O bem-estar subjectivo é o nivel de prazer que a pessoa conservou.
Os factores determinantes do bem-estar subjectivo são a congruência sentida pelo indivíduo entre os projectos que realizou e os projectos que desejou realizar. Quanto mais fraca for a congruência, mais forte é o estado depressivo. O entusiasmo, o desejo de viver, sendo este muito baixo no estado depressivo. O humor, isto é, o sentimento de se manter adaptado à sociedade, ou, pelo contrário, rejeitá-la e sentir-se rejeitado por ela. O estado depressivo é acompanhado por um sentimento de solidão e de rejeição.

Em pessoas idosas é frequentemente difícil determinar se os sintomas cognitivos (por ex. desorientação, apatia, dificuldades de concentração, perda de memória) são melhor explicados pela demência ou por um Episódio Depressivo Major numa Perturbação Depressiva Major. Uma avaliação médica adequada, da sequência temporal dos sintomas depressivos e cognitivos, evolução da doença e resposta ao tratamento ajudam a efectuar esta determinação. O estado pré-mórbido do sujeito pode ajudar a diferenciar uma Perturbação Depressiva Major de uma demência. Na Perturbação Depressiva Major o indivíduo tem um estado pré-mórbido relativamente normal e um declínio cognitivo abrupto associado com a depressão e, na demência existe, habitualmente, uma história pré-mórbida de declínio da função cognitiva.
Na clínica também se utiliza o termo pseudo-demência depressiva. Um estado depressivo pode ser confundido com um quadro inicial de demência, tendo-se em conta o facto da depressão frequentemente ter caractrísticas atípicas nos idosos e, também na intenção de se enfatizar algum tipo de comprometimento cognitivo associado à depressão.

Para além da Perturbação Depressiva Major no idoso, podemos também falar noutras depressões que podem surgir e são características da terceira idade. Depressão reactiva (reactiva a alguma situação vivencial traumática/perda – doença, reforma, viúvez, luto, etc), o idoso passa por uma condição existencial problemática e, muitas vezes sofrível. Depressão secundária (secundária a alguma condição orgânica), o idoso pode desenvolver estados patológicos e degenerativos que faciltam o desenvolvimento da depressão. Depressão endógena, relacionada com a personalidade, surge sem qualquer razão aparente, ou seja as pessoas envelhecem e continuam depressivas.
O suicidio nos idosos está muitas vezes associado a um estado depressivo, consecutivo à morte do cônjuge. Surge na maioria dos casos como um acto de vontade de acabar com a vida (Osgood, 1985).

O tratamento da depressão no idoso passa pela farmacologia e psicoterapia. Sabendo-se que a depressão está ligada, de um ponto de vista neurofisiológico, a uma anomalia no funcionamento de dois sistemas neurotransmissores, a serotonina e a noradrenalina, utilizam-se dois tipos de medicamentos, os antidepressivos e os inibidores. A psicoterapia de tratamento – terapias cognitivas e comportamentais (Beck e col., 1979; André, 1995), o terapeuta, na sua interacção activa com o paciente, ajuda-o a construir novas representações e a reencontrar um nível funcional de actividade, de igual modo, actua na sua relação com o mundo; terapia interpessoal, tendo como objectivo trabalhar as relações disfuncionais e melhorá-las. Tem três fases – recolha de dados, avaliação psiquiátrica, sendo dada particular atenção a acontecimentos recentes que tenham afectado as relações; análise e avaliação de relacionamentos significativos em quatro áreas principais (perda, conflitos, mudança de “papel”, dificuldade em conseguir ou manter relações; consolidação dos progressos, que resume os avanços conseguidos nas sessões anteriores.

Podemos afirmar que a presença de certos traços de envelhecimento, as suas limitações e seus efeitos nas vidas das pessoas, bem como a marginalização social geram problemas psicológicos, afectando o equilíbrio interno dos indivíduos.
Ressalta-se a importância de dar qualidade ao tempo. Este projecto repousa numa melhor compreensão do processo de envelhecimento nas pessoas que mostram êxito no seu envelhecimento – velhice bem sucedida, onde estão reunidas três grandes categorias de condições. A primeira é a reduzida probabilidade de doenças, em especial as que causam perdas de autonomia. A segunda consiste na manutenção de um elevado nível funcional nos planos cognitivo e físico. A terceira é a conservação de empenho social e bem estar subjectivo.

Nesta perspectiva torna-se urgente que as instituições promotoras de saúde, Misericórdias e Segurança Social se organizem no sentido, de responder adequadamente às necessidades da população idosa.


Ser-se velho era ser-se sábio; era ter-se a mais valia do tempo, que fazia do velho o conselheiro, o amigo...a memória das gerações (Costa,1999).

BIBLIOGRAFIA

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- JOFFE, Russel T; Levitt, Anthony J.; ”Vencer a Depressão” Blackwell Science, 1998.
- MONTGOMERY, Stuart A; Boer, Johan A.; Perspectives in Psychiatry, Vol. 7, “SSRIs in Depression and Anxiety”, John & Sons, 1998.
- ABREU, J. L. Pio; “ Como Tornar-se Doente Mental”, Quarteto Editora, 2001.
- VIEIRA, Fernando, “(Des)Dramatizar na Doença Mental” Psicoterapia e Psicodrama, Edições Sílabo, 1ª edição, Lisboa, Fevereiro 1999.
- FONTAINE, Roger, “Psicologia do envelhecimento”, Climepsi Editores, 1ª edição, Lisboa, Setembro 2000.
- American Psychiatric Association – DSM-IV, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, Climepsi Editores, Lisboa 1996.
- LOPES, Fabiana A.M.; Oliveira, Flávia A.; Artigo -“Aspectos Epidemiológicos de Idosos Assistidos pelo Programa de Saúde da Família (PSF), Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba, Minas Geris, Brasil, Março 2004
- PORTUGAL, Direcção Geral da Saúde – Estudo da qualidade de vida do idoso: aplicação de um instrumento de avaliação: relatório, Lisboa: Direcção Geral da Saúde, 1995.
- PORTUGAL, Ministério da Saúde – Os mais velhos: relatório de actividades, Lisboa:Ministério da Saúde, 1998.
- MARTINS, Rosa M.L., Artigo – “Envelhecimento e saúde: um problema social emergente”
- Constituição da República Portuguesa, Europa Editora, p.39.- Documentação fornecida durante o Módulo – “Tratamento Sintomático I em Cuidados Paliativos” .

[1] Inês Chaves, Assistente Social do Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) – Hospital Santo António dos Capuchos – Serviços de Neurocirurgia e Neurologia, Licenciada em Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa 1995-2000, Mestranda em Cuidados Paliativos 2ª Edição – Faculdade de Medicina de Lisboa (Fase de elaboração da Dissertação).

segunda-feira, abril 10, 2006



SIDA E CUIDADOS PALIATIVOS

Inês Chaves[1]


“... uma doença transforma-se no mal do século porque cristaliza/simboliza a própria maneira como uma sociedade vive colectivamente o medo e a morte.
Nesse sentido, a doença é tão importante pelos seus efeitos imaginários como pelos seus efeitos reais.
A SIDA não escapa a esta regra: não tardou a sair do mundo médico para questionar os próprios fundamentos da nossa sociedade.
Presente na vida quotidiana, obriga-nos a reflectir e, eventualmente a modificar os nossos comportamentos.
Nenhuma doença, na época contemporânea, nos incitou tanto a interrogar-nos sobre a nossa identidade, os nossos valores, o nosso conceito de tolerância e de responsabilidade.”
MONTAGNIER (1995)

“O diagnóstico de HIV/SIDA é um evento traumático porque a doença é conhecida como tendo uma evolução progressiva, não há tratamento curativo conhecido e o prognóstico é mau” (UNGVARSKI e FLASKERUD, 1999).

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) foi descrita pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos da América, tendo sido identificada em homossexuais do sexo masculino com pneumonia por Pneumocystis carinii e sarcoma de Kaposi. Pouco tempo depois foi reportada na Europa com características epidemiológicas, imunológicas e clínicas idênticas, constituindo-se, actualmente, como uma pandemia, com 34 a 46 milhões de infectados. VIH é transmitido, principalmente, através do contacto com líquidos orgânicos (sangue, esperma e secreções vaginais) de indivíduos infectados, sendo as principais formas de transmissão – sexual, sanguínea e mãe-filho. A nível mundial, predomina a transmissão sexual de VIH -1, sendo VIH-2 transmitido, quase exclusivamente por via sexual.[2]
Existem várias classificações aceites dos diferentes estadios da doença. A Organização Mundial de Saúde (OMS) distingue quatro fases: assintomática; estadio inicial, estadio intermédio, estadio final. O autor MONTAGNIER refere que a história natural da doença tem três etapas – a primo infecção, a fase silenciosa e a doença clínica.
Os sintomas mais frequentes e, que surgem desde o início da infecção e, permanecem durante todo o curso da doença, são a fadiga, dor e insónias no entanto, podem ocorrer também sintomas gastro-intestinais (infecções - cytomegalovírus ou cyptosporidium), sintomas do foro respiratório, provocados por patologia infecciosa pulmunar (pneumonias – Pneumocytis carinii ou bacterianas e infecção pelo bacilo da tuberculose), sintomas cutâneos provocados por infecções fúngicas ou bacterianas (Herpes simplex ou Herpes zoster), sintomas provocados por tumores malignos (Sarcoma de Kaposi, podendo ter localizações cutâneas, gastro-intestinais e brônquicas) ou linfomas, sintomas neurológicos centrais (encefalopatias) ou periféricos (neuropatias, retinopatias), outras manifestações resultantes de infecções oportunistas de qualquer outro aparelho.[3]
De acordo com SIMS E MOSS (1995) a primeira causa de morbilidade e mortalidade de doentes com SIDA são as infecções oportunistas. Os problemas fisiológicos apresentados pelos doentes decorrem em primeira instância do estadio de doença em que se encontram. O espectro da sintomatologia pode ir desde a total ausência de sintomas até à presença de inúmeras doenças.
A introdução dos esquemas de terapêutica anti-retroviral tripla (HAART-higly active antiretroviral therapy) mudou radicalmente a história natural na infecção VIH-SIDA. No entanto, as expectativas iniciais de uma possível erradicação viral através de terapêutica HAART prolongada não se confirmaram e as reacções adversas, bem como a emergência de resistências aos anti-rectovirais, constituem problemas difíceis numa proporção significativa dos doentes. Por outro lado, uma supressão prolongada da virémia através da terapêutica HAART não conduz a uma completa reconstituição imunitária.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) adverte que a “SIDA não provocou uma, mas sim três epidemias mundiais interrelacionadas: a infecção pelo VIH; a SIDA propriamente dita e as reacções e respostas sociais, culturais, económicas, políticas e pessoais às duas primeiras epidemias. Esta última epidemia faz com que os infectados pelo VIH e os doentes com SIDA sejam excluídos da família e da comunidade e inclusive sejam repudiados pelo pessoal da saúde, no momento em que mais precisam de atenção e cuidados” (FRONTEIRA, 2002).
Sendo clinicamente a infecção por HIV considerada como uma doença crónica, toda a atenção que possa ser dada à qualidade de vida dos seus portadores, por parte dos profissionais de saúde é uma exigência. O impacto da doença na qualidade de vida das pessoas com SIDA está relacionado com diversos factores, nomeadamente com a própria natureza da doença que em certos casos é altamente incapacitante, produzindo alterações visíveis, aliando-se também o facto dos seus portadores serem estigmatizados pela sociedade; a importância de perceber se os anos de sobrevivência são vividos com qualidade, uma vez que a esperança de vida das pessoas afectadas por este síndrome é cada vez maior; função dos profissionais de saúde de proporcionarem cuidados que aumentem o bem-estar, tendo em consideração os aspectos biológicos, sociais, culturais, espirituais de cada pessoa.
A tripla dimensão, médica, social e cultural da infecção, faz da doença um verdadeiro concentrado de factores de exclusão. O estigma da morte provoca reacções de rejeição ou de fuga, cria e acelera processos de exclusão e marginalização. O estigma da doença encontra-se associado a comportamentos reprovados ou ilegais. Os processos de auto-exclusão são derivados não somente pela persistência da imagem de doença, como também a antecipação dos efeitos de morte anunciada. Aparentemente, quanto mais a medicina progride, maior é o medo que temos da morte e mais negamos o seu carácter real e inevitável. O progresso da medicina e a melhoria das condições de vida permitiram alterar as expectativas de vida, esperando-se hoje que a morte ocorra numa idade avançada. A infecção por VIH/SIDA veio contrariar estas expectativas, ao confrontar os seres humanos com a morte de adultos jovens.
A SIDA é considerada um grave problema de saúde pública. A nível individual não existe nenhuma dimensão da vivência que não seja afectada. Cuidar destes doentes implica contemplar um programa centrado nos mesmos, tornando-se parceiros nos cuidados em vez de simples beneficiários. Trata-se de um processo de personalização, isto é, não se considerar meramente o corpo, mas sim o ser humano como um todo. O “objecto” passa a ser a pessoa doente e não a doença em si. “Tal como não há doenças, há doentes, não há morte, há pessoas que morrem” SUBTIL e GOMES (1997).
Os doentes com SIDA englobam-se no grupo de doentes com doença crónica, avançada e não oncológica com necessidades específicas para as quais a metodologia dos cuidados curativos se torna desadequada e em que a paliação tem um papel primordial. O apoio em cuidados paliativos a estes doentes é um imperativo ético. É preciso garantir a justiça e a equidade no acesso aos cuidados de saúde, nomeadamente paliativos, para este numeroso grupo de doentes.

Os Cuidados Paliativos e a Intervenção Social

Os cuidados paliativos pretendem ser uma resposta activa aos problemas, necessidades e sofrimento gerados pela progressão das doenças crónicas e incuráveis. O sofrimento decorre de uma multiplicidade de perdas, de adaptações, pressões/transtornos psicossociais (revelação do diagnóstico a familiares e amigos, mudanças do estilo de vida, sensação de perda de controlo, decisões a tomar na fase terminal da doença, decisões sobre os cuidados médicos que desejam, mudanças no diagnóstico – conhecimento que atingiram os critérios de SIDA, etc.), medo do futuro e de sintomas que vão surgindo, não correspondendo esta situação exclusivamente à fase avançada da doença, como tal a dictomia cuidados curativos/cuidados paliativos tende a esbater-se, no sentido de cada vez mais humanizar os cuidados de saúde prestados aos doentes crónicos e suas famílias. Desta forma os cuidados paliativos não devem ser remetidos para uma ideia de “fim de linha”, mas sim assumir-se como uma intervenção estruturada e rigorosa, com componente cada vez maior à medida que as necessidades dos doentes assim o justificam (modelo de “transição progressiva”).[4]
Podemos assim, falar numa intervenção precoce dos cuidados paliativos. Muitos aspectos do tratamento paliativo são aplicáveis no início da doença e, não apenas no tratamento no final da vida, podendo ser combinado com o tratamento das infecções oportunistas ou outras doenças afins ou pode ser ele mesmo, o foco central da atenção quando o tratamento já não é eficaz ou quando os efeitos colaterais são maiores que os benefícios. Na intervenção precoce dos cuidados paliativos estão contemplados aspectos como a transmissão do diagnóstico, a adaptação às perdas, o controlo sintomático, apoio aos cuidadores/família, os “dilemas éticos” e as “advanced directives”.[5] A decisão de interromper o tratamento intervencionista deve ser tomada conjuntamente com o doente (se possível), família e profissionais de saúde. Assim, os cuidados paliativos tornam-se fundamentais no processo de adaptação à doença (ocorrem fases que oscilam entre a negação/ culpabilização/ medo/ ansiedade/ raiva/ falta de controle/ isolamento/ perda/ ambivalência/ aumento do controle de vida/ esperança) no controlo/tratamento sintomático (comunicação, alimentação, mobilidade, respiração), de forma a aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida a nível físico, psicológico, social e espiritual, uma vez que a doença progride continuamente e a sua evolução é imprevisível; as capacidades físicas podem estar parcial ou totalmente reduzidas; a descriminação social pode ocorrer; a dependência de profissionais de saúde é prolongada; as perspectivas de futuro são mais ou menos limitadas. Convém ressaltar a enorme repercussão familiar, a sobrecarga e o desgaste que estas situações representam para as famílias e outros cuidadores envolvidos, cujo apoio deve ser sempre assegurado.
O medo da morte é algo que a maioria das pessoas só começa a experienciar quando as circunstâncias da vida as colocam frente a frente com a possibilidade do seu próprio fim. O conhecimento do diagnóstico de uma doença para a qual não existe cura e, um prognóstico limitado, leva a pessoa a considerar a inevitabilidade do término de vida. A evolução da doença e os múltiplos internamentos hospitalares, tendem a ser muito dolorosos e geradores de grande ansiedade, sendo frequente observar-se o desinvestimento de projectos pessoais, afectivos, profissionais; a vivencia da espera angustiante pelo fim, bem como sentimentos de inutilidade, auto-descriminação e ambivalência face à morte.
Importa referir que o medo da morte traduz-se na incerteza do como vai ser? Se será doloroso? Do que acontecerá após a morte? (Andrés, 1995; Gifford, 1997). Se respeitarão as opiniões do doente em fase terminal? Se o médico informará quando já não houver benefício com a terapêutica? Como irão ficar as pessoas mais próximas após a morte do doente? (Cabodevilla, 1999; Kübler-Ross, 1992). “... o homem basicamente não mudou. A morte constitui ainda um acontecimento modonho, pavoroso, um medo universal...” Kubler-Ross (1992).
Desta forma, os cuidados prestados devem sempre basear-se numa abordagem holística do doente e da família (constituem a unidade de cuidados), assentando no controlo sintomático, na informação e comunicação adequada, no apoio à família e no trabalho em equipa. Torna-se fundamental abordar com o doente questões sobre a sua qualidade de vida e sobre os seus sintomas, de forma a avaliar o impacto que a doença e terapêutica estão a ter na sua qualidade de vida. Estes cuidados são possíveis e desejáveis no domicílio.
Outra abordagem que se torna necessária é falar sobre o prognóstico. Quando o doente desenvolve uma doença de rápida progressão... a morte é iminente, é importante transmitir essa informação, mas mantendo a esperança e, reforçando a mensagem de que poderá continuar a alcançar metas (por ex. o desejo de alguns doentes em viver até ao Natal, ou assistir ao casamento da filha – é possível ajudá-los a tentar chegar à “meta”), de forma a poder preparar/resolver alguns aspectos da sua vida como sejam a elaboração de um testamento, fornecer indicações para o funeral ou decidir onde querem morrer (Gifford & Cl, 1997; Grilo, 1999). A resolução de assuntos pendentes, financeiros ou pessoais, pode permitir que a pessoa se sinta bastante tranquila. Refira-se que a maioria das pessoas que morrem de uma doença prolongada como a SIDA, conseguem estar prontas para esse momento. No entanto, este facto não impede que, por vezes, a pessoa em fase terminal se sinta sozinha e abandonada. Hackett e Weisman (1974) defendem que o mais terrível e intolerável na ameaça da morte é a solidão, isto é, o sentimento de ficar à parte na vida dos outros.
A preparação da família para a perda/morte também deverá ter início antes do doente falecer e pelo tempo que for necessário, depois da morte.
Enquanto Assistente Social, pretendo agora focar a intervenção social em cuidados paliativos a doentes portadores de HIV/SIDA e suas famílias, fazendo uma breve abordagem da sua actuação.
O Assistente Social desempenha o papel de mediador proactivo e integrador de cuidados, a sua intervenção é determinante na percepção interdisciplinar do indivíduo, no respeito às idiossincrasias de cada um, na busca de qualidade de vida e cidadania e, na visão individual do doente. Deverá construir com o doente uma relação empática, por forma a poder identificar precocemente os problemas bloqueadores, possibilitando assim uma actuação eficaz e eficiente, em articulação com a restante equipa de saúde.
Enfatiza a gestão dos cuidados sociais através da intervenção psicossocial em questões como o medo, rejeição, a morte, de forma a atenuar a vulnerabilidade psicológica do doente e, permitir uma informação qualificada e resposta aos problemas.
Assim, na sua intervenção englobam-se funções como o acolhimento do doente e família; elaboração de um plano de actuação com o doente, tendo presente a realidade específica de cada indivíduo, articulando com os recursos da comunidade; prestar suporte emocional ao doente e sua família, aliviando problemas psicossociais resultantes da doença; informar o doente sobre os seus direitos (Regime não Contributivo - Pensão Social por Invalidez, Rendimento Social de Inserção; Regime Contributivo é comtemplado ao abrigo do Dec. Lei 216/98, em que o tempo de descontos necessário para requerer a reforma por invalidez é de 36 meses; medidas de protecção social, acesso gratuito aos cuidados de saúde, tratamentos e assistência, nos locais da sua conveniência, etc.). Os doentes com HIV/SIDA não beneficiam dos direitos estabelecidos para doentes crónicos, usufruindo apenas da isenção de taxas moderadoras.

Em termos conclusivos e, reforçando a ideia de que a SIDA é uma doença com graves consequências físicas e psicológicas, constitui-se como um fenómeno de natureza social acompanhado de processos de segregação social baseados em estigmas socialmente construídos e intimamente ligados às representações sociais desta doença, considera-se imprescindível e urgente garantir a acessibilidade a cuidados de saúde adequados a este tipo de doentes, de forma a que não sejam preteridos no sistema e que a qualidade dos cuidados prestados seja devidamente salvaguardada. Os CUIDADOS PALIATIVOS assumem um papel preponderante e, são considerados um direito de todos os cidadãos.

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- NETO, I. Galriça; et al; Art.º “Cuidados Paliativos – Rigor e Qualidade”.

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- SOARES, Amilcar; REIS, Ana Campos; et al; “ Manual de Auto-Ajuda para Pessoas com VIH/SIDA”.

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- Documentação fornecida durante o Módulo – “Tratamento Sintomático II em Cuidados Paliativos”.


[1] Inês Chaves, Assistente Social do Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) – Hospital Stº António dos Capuchos – Serviços de Neurocirurgia e Neurologia. Licenciada em Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa 1995-2000, Mestranda em Cuidados Paliativos 2ª Edição – Faculdade de Medicina de Lisboa (Fase de elaboração da Dissertação).

[2]ANTUNES, Francisco; “Guia Prático de Acompanhamento dos Infectados por VIH”, Permanyer Portugal, 2ª edição, 2004, p.1.
[3] SOUSA, M.ª Margarida O.; “Sida e a Vida Continua”, 2000, p.28,29.
[4] NETO, I. Galriça; et al; Art.ª“Cuidados Paliativos – Rigor e Qualidade”, p.1.

[5] NETO, I. Galriça; “Cuidados Paliativos nas Doenças Neurológicas Degenerativas”, II Mestrado de Cuidados Paliativos, Junho 2004